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quinta-feira, 14 de maio de 2020

Diversidade de gênero restrita na magistratura brasileira.


FAPEN ON-LINE. Ano 1, Volume 5, Série 14/05, 2020.



Profa. Eliane Santos Moreira.

Bacharel Licenciada em Ciências Sociais - CUFSA.

Bacharel em Direito - USJ (Unimonte).



RESUMO: A liberdade e igualdade de gênero na estrutura do judiciário brasileiro são garantidas pela Constituição, no entanto, existem incongruências na aplicação da legislação quanto à atuação da mulher (pequeno número presente). Confrontando dados estatísticos do Conselho Nacional de Justiça (CNJ) e Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), pretende-se demonstrar que a realidade é diversa dos fundamentos almejados pelo artigo 5º, inciso I, da Constituição Federal, bem como recepcionado pela Convenção sobre a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação contra a Mulher (CEDAW). O objetivo é iniciar um estudo sistematizado dos conceitos de gênero, esmiuçando as diretrizes fixadas pela legislação; estabelecendo um paradigma entre a lei e a convenção, confrontando ambos diante da realidade enfrentada pelas mulheres no aparelho judiciário e, dessa forma, verificar a sua correspondência. Para alcançar esta intenção foi utilizada a metodologia estatística como base de sustentação da argumentação; mesclada ao método dedutivo, tendo como ferramenta de apoio pesquisa bibliográfica para fundamentação dos assuntos abordados. O estudo não tem a pretensão de fornecer respostas às questões apresentadas, mas tão somente discutir a problemática das discrepâncias existentes frente ao relativamente pequeno número de mulheres atuantes no poder judiciário, comparativamente aos seus pares do gênero masculino; uma afronta ao principio da isonomia constitucional; multiplicando questões. As mulheres são maioria no Brasil, segundo o IBGE corresponde a 51,4% da população; não obstante, dos 17.670 magistrados, apenas 37,3% pertencem ao gênero feminino; disparidade que se agrava nos tribunais superiores, os quais possuem menos de 10% de mulheres nos seus quadros.

PALAVRAS-CHAVE: Direito Constitucional, Mulheres no Judiciário, Igualdade de Gênero.


ABSTRACT: The freedom and gender equality in the structure of the Brazilian judiciary are guaranteed by the Constitution, however, there are inconsistencies in the application of legislation regarding the performance of women (small number present). Comparing statistical data from the National Council of Justice (CNJ) and the Brazilian Bar Association (OAB), it is intended to demonstrate that the reality is different from the fundamentals sought by article 5, item I, of the Federal Constitution, as well as received by the Convention on the Elimination of All Forms of Discrimination against Women (CEDAW). The objective is to start a systematic study of the concepts of gender, examining the guidelines established by the legislation; establishing a paradigm between the law and the convention, confronting both before the reality faced by women in the judiciary and, thus, checking their correspondence. To achieve this intention, statistical methodology was used as a basis for supporting the argument; merged with the deductive method, using bibliographic research as a support tool to substantiate the subjects covered. The study does not pretend to provide answers to the questions presented, but only to discuss the problem of existing discrepancies in view of the relatively small number of women working in the judiciary, compared to their male counterparts; an affront to the principle of constitutional isonomy; multiplying questions. Women are the majority in Brazil, according to IBGE corresponds to 51.4% of the population; nevertheless, of the 17,670 magistrates, only 37.3% belong to the female gender; disparity that worsens in the higher courts, which have less than 10% women on their staff.

KEYMORDS: Constitutional Law, Women in the Judiciary, Gender Equality.

 

1. INTRODUÇÃO.

A temática das relações de gênero na magistratura foi suscitada a partir de uma publicação no site do CNJ, tratava-se de um estudo elaborado pelo próprio órgão em que se destacava o breve avanço da presença de mulheres nos quadros da cúpula do poder judiciário, demonstrando, ao mesmo tempo, uma importante discrepância frente ao numero total de magistrados do gênero masculino no Brasil.

Diante desta realidade, é possível conceber um questionamento sobre o afrontamento da isonomia constitucional: pode a magistratura ser considerada masculinizada e a sua atividade isenta de preconceitos relacionados à equiparação de gênero?

A amplitude da presente pesquisa é modesta, não pretende fornecer respostas absolutas, mas levantar indagações que servem para timidamente ampliar o debate. 

Para tal, a investigação repousou seu olhar na análise de um fragmento do texto constitucional, precisamente o artigo 5º, inciso I; bem como a Convenção sobre a Eliminação de Todas as formas de Discriminação Contra a Mulher, do qual o Brasil é signatário.

Iniciaremos a discussão com uma breve explanação sobre o processo de inserção da mulher no mercado de trabalho e seus desdobramentos.

Inserida na mudança da legislação, para assegurar o direito civil e constitucional das mulheres.

Realizaremos, também, a interpretação de artigos esparsos referentes ao assunto, apoiada em obras jurídicas, filosóficas e pertencente às ciências sociais.

Depois, abordaremos a situação quantitativa feminina, desde seu ingresso até o exercício da atividade no poder judiciário, em paralelo com o número de advogadas atuantes e os desafios trazidos pela profissão.

Respaldado nesta discussão inicial, apresentaremos as especificidades da isonomia constitucional, na promoção dos direitos e garantias fundamentais, independentes de gênero.

Traremos à luz as mudanças concretas propostas pela Convenção sobre a eliminação de todas as formas de discriminação contra a mulher.

Por fim, discutiremos as possibilidades para atenuar o problema da baixa participação da mulher no poder judiciário.

Pretendemos, assim, iniciar um debate a respeito da discrepância existente no numero de mulheres atuantes na magistratura brasileira, comparativamente a atuação masculina.

Presume-se que algumas hipóteses, a serem elencadas, podem servir de parâmetro para reduzir as disparidades de gênero na magistratura.

Dentre as quais, o estabelecimento de quotas e mudanças na metodologia de classificação em concursos públicos.

 

2. DESENVOLVIMENTO HISTORICO NO BRASIL DAS MULHERES NO MERCADO DE TRABALHO.

Antes do código vigente, instituído em 2002, estava em vigor o Código Civil de 1916, o qual determinava o pátrio poder como força nuclear das famílias.

Homens, fossem maridos ou pais, exerciam o poder nuclear da família, cabendo às mulheres desempenhar um papel submisso e servil, dentro e fora das relações privadas.

A simples desconformidade com a situação poderia gerar castigos físicos e tornar as consortes cativas dentro de seus lares.

Pode-se constatar, portanto, um notável desequilíbrio nas relações de gênero transbordadas para cultura social brasileira ao longo da trajetória histórica nacional.

Um exemplo disso é que as mulheres necessitavam de autorização para estudar ou trabalhar e, talvez, por isso mesmo, seja esta uma das explicações plausíveis para a tímida participação feminina nas funções de destaque no mercado de trabalho.

A tardia inserção do divórcio, no ordenamento jurídico brasileiro, é o retrato das uniões de fato, mas também da libertação da mulher diante das relações de aspecto servil.

Entretanto, era necessário superar e romper os paradigmas do pátrio poder, até então instituídos na sociedade, e, essa determinada busca somente seria possível com a participação da mulher como um ser detentor de cidadania.

O poder libertador do voto era algo almejado pelos movimentos sufragistas nacionais, inspirados pelos movimentos de igual valor europeus e estadunidenses.

Conquista alcançada no Brasil somente em 1934, por meio do decreto 21.076, inserido no Código Eleitoral provisório.

O direito ao voto, na época, somente podia ser exercido por mulheres de forma limitada, restrito aquelas que desempenhavam atividades economicamente remuneradas.

Mesmo assim, o voto se tornou um dos principais avanços conquistado pelo gênero feminino.

Uma vez, que, por meio deste, as mulheres poderiam escolher representantes mais alinhados as suas reivindicações.

A participação feminina passou a ser minimamente mais completa, pois, por meio do voto, mulheres eram aceitas como cidadãs, não sendo mais meras cumpridoras das leis masculinas, as quais muitas vezes as oprimiam.

No Brasil, a participação das mulheres na sociedade sempre foi movida por meio de preconceitos e limitações, desde o seu ingresso no meio acadêmico, é o que apontam dados estatísticos do IBGE da década de 1980, quando apenas 27,1% das mulheres adultas eram alfabetizadas (1985).

Tal circunstancia se reverbera no mercado de trabalho, através da atuação feminina em atividades de impacto insignificantes e salários módicos, resultando na exploração da mão de obra disponível, a qual se mantinha sem a devida qualificação.

As muitas barreiras forjaram a necessidade do engajamento feminino nos sindicatos, havia urgência na discussão sobre a discriminação no tratamento dos patrões e dos colegas no ambiente de trabalho, assim como a construção de um engajamento pela equiparação salarial e pelo fim da exploração das trabalhadoras.

Segundo o IBGE, hoje, as mulheres são maioria no Brasil, o número chega a 51,4% da população, dessa maneira são responsáveis pelo sustento de 37,3% famílias (2013).

A pesquisa indica notável crescimento na ocupação formal por mulheres entre 30 e 39 anos (43,8%) e entre 50 e 64 anos (64,3%).

Em geral, o índice demonstra que existe maior ocupação das mulheres em setores da administração pública e no setor de serviços, enquanto que os homens são maioria na indústria de transformação; agropecuária, extração vegetal caça e pesca; construção civil, serviços industriais de utilidade pública; e extrativa mineral.

No comércio, a participação de homens e mulheres se dá de maneira equilibrada, sendo 20,1% homens e 19,9% mulheres (IBGE, 2013).

Por oportuno, é importante salientar que muito se avançou do decorrer dos últimos 50 anos, as mulheres passaram a agregar, além das ocupações até então exclusivamente privadas, aquelas também ofertadas pelo mercado de trabalho.

Segundo a estatística do IBGE, as mulheres passaram a ocupar 44% das vagas disponíveis, no entanto, tais números despencam para 5% quando se trata de cargos de comando nas empresas e organizações.

Como se não bastasse, o ordenado das mulheres, em média, é de 30% menor do que os salários pagos aos homens (IBGE, 2013).

O contexto histórico pode explicar a discriminação da mulher em áreas de predomínio masculino.

Atualmente, as mulheres estudam mais que os homens e constituem a maioria nas escolas e universidades, mas possuem formação em áreas onde a remuneração é menor, como é o caso da docência.

O emprego e a renda são dois componentes que criam condições para que as mulheres se libertem das incontáveis situações de opressão e humilhação que se submetem diante do convívio masculino.

O que lhes têm acarretado o ônus da dupla jornada, somada aos cuidados exclusivos dos filhos e, na maior parte das vezes, dos idosos.

O rendimento das mulheres tem crescente participação na renda familiar, uma vez que deslumbra sanar uma necessidade ditada pelo sistema neoliberal.

Essa situação, relacionada aos cuidados com a condição materna, suscitada pelos filhos, impõe ao Estado e a sociedade o dever de promover a igualdade de condições de inserção da mulher no mercado de trabalho.

Desta forma, são fundamentais políticas públicas que universalizem o direito do acesso às creches e a educação das crianças, em diferentes faixas etárias, em tempo integral.

Insere-se, neste contexto, o número desproporcional de mulheres na magistratura e seus reflexos, frente às imposições de igualdade da Carta Magna de 1988 e da Convenção sobre a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação contra a Mulher.

Em pleno no século XXI, no Brasil, os tribunais não refletem à proporção que caberia ao gênero feminino em consonância com a porcentagem de mulheres inseridas na população.

Seguem os quadros mentais que configuraram historicamente a restrição da participação feminina na sociedade, delegando um papel menor a maior parcela da sociedade.

Espelham um preconceito de gênero que merece atenção, quanto à participação das mulheres na cúpula do poder judiciário e como isto pode se revelar nos resultados emanados pelo judiciário; seja pelo tratamento paritário das partes em um processo; ou mesmo na instrumentalização das sentenças estabelecidas.

 

3. A REALIDADE DAS MAGISTRADAS NO BRASIL.

O Conselho Nacional de Justiça elaborou uma interessante pesquisa a respeito do número de mulheres atuantes na Magistratura brasileira.

Atualmente, estima-se em 37,3% a porcentagem de mulheres na magistratura em todo o país (CNJ, 2017).

Em verdade, trata-se de um avanço significativo em números, algo extremamente importante, pois revela um progresso na admissão do gênero feminino no poder judiciário.

Por outro lado, espelha uma desarmonia considerável, em parte explicada pelo quadro mental com relação à imagem da mulher, presente ainda na sociedade, enquanto reminiscência histórica.

A participação feminina de maior expressão no Brasil aconteceu a partir da década de 60, período em que as mulheres começaram a conquistar posições mais destacadas no mercado de trabalho.

A primeira juíza no Brasil foi Thereza Grisória Tang, gaúcha que prestou concurso público em Santa Catarina; em 1954, nomeada juíza substitua em Criciúma.

Posteriormente, Maria Rita Soares de Andrade, sergipana, a qual, após anos na advocacia, ingressou por meio de concurso público para o juizado federal em 1967.

O que expressa o atraso brasileiro quanto à inclusão da diversidade de gênero na magistratura.

Embora o retrospecto no resto do mundo não tenha datação muito anterior à verificada no Brasil, quanto à inserção feminina na magistratura, em outros países o equilíbrio entre homens e mulheres avançou mais rápido.

Na França, por exemplo, a primeira juíza foi nomeada em 1946, mas a equiparação numérica entre gêneros já estava em patamares quase igualitários em 1972.

A despeito das mulheres continuarem encontrando barreiras maiores que os homens para a sua inserção na magistratura, a porcentagem de mulheres juízas na França saltou de 23% em 1950 para 45% em 1972, número que se mantém como mínimo desde então até os dias atuais, com avanços e retrocessos esporádicos (BOIGEOL, 1996: p.108-129).

No Brasil, reconhecendo a possibilidade haver uma resistência em permitir a inserção da diversidade de gênero na magistratura, fruto do quadro das mentalidades inserido em um contexto cultural patriarcal; como seria possível permitir as mulheres ingressar no poder judiciário com paridade de direitos e deveres?

Uma resposta é fornecida pelo ordenamento jurídico, que busca sanar esta discrepância por meio do positivismo, impondo normas.

Apesar de não ser o suficiente para garantir a igualdade de gênero, em especial, entre os três poderes, o que será oportunamente analisado, mais adiante.

Segundo Castilho, “as legislações nacionais devem cuidar para que os direitos acordados na Convenção sobre a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação Contra as Mulheres sejam inseridas em todos os âmbitos, seja social, político ou do trabalho.” (2013: Qual a página? precisa citar pois esta entre aspas). Todavia, deve-se ter em mente que o respaldo jurídico é apenas o ponto de partida para o alcance do ideal almejado, para que avanços concretos sejam de fato obtidos.  

Segundo o IBGE (2017), a população brasileira é de 203,2 milhões de habitantes, sendo 98,419 milhões de homens (48,4% do total) e 104,772 milhões de mulheres (51,6%).

No entanto, como vimos, apenas 37,3% da magistratura é ocupada por mulheres.

Nos comandos dos tribunais, ainda que não se tenha um estudo preciso, uma visão superficial mostra que este percentual é ainda menor.

Existe uma evidente desigualdade de gênero no poder judiciário, em uma análise regional os dados mostram o seguinte quadro: 27 unidades parciais da Federação brasileira há Estados como o Amapá, com apenas 9,8% de representação feminina; e outros como o Rio de Janeiro, com 48,6% de mulheres magistradas; sendo o Nordeste a Região que engloba o maior número de Estados com mais de 40% de juízas (Bahia, Rio Grande do Norte e Sergipe).

Na política associativa, contam-se nos dedos de uma das mãos as Presidentas de Associações Nacionais de Juízes: Ilce Marques de Carvalho (1989/91), Maria Helena Mallmann Sulzbach (1995/97) e Beatriz de Lima Pereira (1997/99) presidiram a Associação Nacional dos Magistrados da Justiça do Trabalho (ANAMATRA); Kenarik Boujikian (1999/2001 e 2013/15) e Dora Martins (2007/09), a Associação Juízes para a Democracia (AJD).

A Associação dos Magistrados Brasileiros (AMB) e a Associação dos Juízes Federais do Brasil (AJUFE) jamais tiveram uma Presidenta.

Portanto, um aspecto de grande relevância é a distorção na atuação das mulheres na base do poder judiciário, no labor administrativo e na participação ou mesmo controle dos tribunais.

Cargos subalternos quase sempre são destinados a elas, pois exigem um estereotipo de servidão passiva.

Apesar dos muitos avanços, acerca da inserção da mulher no poder judiciário, existe pouca representatividade feminina nos espaços de poder e comando, o que compromete o resultado jurisdicional da instituição.

Segundo o professor Edson Vitorelli (2016), Doutor em Direito pela UFPR; a desigualdade ocorre já na forma de ingresso das mulheres nos concursos do judiciário.

Analisando, especificamente, aprovações em concursos públicos, notou que elas seguem de forma demasiadamente inferior se comparadas aos números de aprovados homens.

O que seria esperado, em uma sociedade que prima pela igualdade de gênero, é que esta projeção fosse equivalente, sobretudo consideração à proporção numérica em termos populacionais em que as mulheres representam mais da metade da população brasileira.

 

Nas palavras de Vitorelli:

“Se a população brasileira é composta de aproximadamente 51% de mulheres e 49% de homens, e se nós vivemos em uma sociedade na qual existe igualdade de gênero, seria de se esperar que o número de aprovados, em qualquer concurso, girasse em torno de metade homens e metade mulheres.” (2016)

 

O referido autor aponta para a dificuldade de levantamento destes dados, tendo em vista que os tribunais, de um modo geral, não armazenavam, até aquela ocasião, informações online.

Ele também pondera, levando em consideração a carreira de procurador e docente, que entre os bacharéis de direito, o número de mulheres é significativamente maior ou equivalente em relação ao de homens.

E que existe ambição, entre maioria delas, em buscar a inserção no poder judiciário; mas que, de alguma forma, estes ingressos são frustrados de forma objetiva nas últimas etapas dos concursos para magistratura (Tabela 1).

 

O que suscita perguntar como pode a Carta Maior se valer da máxima da garantia de igualdade, se a realidade que advêm de um dos três poderes, o judiciário, não aplica o principio da isonomia e dificulta o acesso das mulheres na magistratura?

Ao analisarmos tais dados, considerarmos a pesquisa do CNJ, veremos como a inserção das mulheres na magistratura esta longe de ser equiparada aos quadros masculinos.

Todavia, inversamente, segundo a divulgação da Ordem dos Advogados do Brasil, a diversidade de gênero se dá de forma homogenia, quando analisamos a inserção feminina na advocacia (Tabela 2).

 

TABELA 2: Número de advogados divididos por gênero.

Fonte: OAB.

 

A advocacia é uma das carreiras profissionais em que houve uma notável ampliação no ingresso das mulheres desde os anos 1980, mas não longe de conter a alguma hostilidades dentro dos seguimentos da advocacia.

Mesmo diante de uma aparente paridade de gênero quantitativa na profissão, ainda persiste o estigma de que mulheres não podem exercer áreas que sejam consideradas difíceis ou de predomínio masculino, como é o caso do direito penal.

Os dados, no caso dos advogados, mostram certo equilíbrio das distribuições de gênero em todo o país, realidade condizente com os dias atuais, uma vez que as mulheres estudam e trabalham mais do que o registrado em outros períodos da historia recente do país.

Segundo a pesquisa realizada pela pesquisadora e advogada Eliane Botelho Junqueira (1998), na década de 1990, as mulheres correspondiam a 50,9%.

Apesar do avanço do número de advogadas, elas ainda estavam alheias aos postos de comando dos grandes escritórios de advocacia mesmo sendo consideradas pelos seus pares masculinos como capazes, responsáveis e conscientes.

A pesquisadora apontou que as advogadas penetravam com maior facilidade em seguimentos considerados femininos, como é o caso da conciliação no direito de família e, não por acaso, os honorários deste seguimento foi considerado como sendo relativamente baixo quando equiparado aos demais ramos do direito.

Nos estados Unidos por volta de 1918, às mulheres eram proibidas de ingressar nas carreiras jurídicas.

No geral, naquela mesma época, o número de advogadas não ultrapassava 5% em todo o país.

Atualmente, tais dados sofreram radical mudança, elevando-se para 38% dos quadros.

No Brasil, as faculdades de Direito surgiram em 1827, contendo barreiras formais de ingresso das mulheres.

Não se considerava a advocacia uma profissão que pudesse admitir mulheres.

Cada área do direito representa um universo singular, pois, para que o profissional encontre o êxito que tanto almeja, necessita especialização cada vez maior, e, nesta perspectiva, os segmentos se subdividem entre aqueles que atuam ou não no direito contencioso.

É evidente que existe uma diferença entre as formas de atuação entre homens e mulheres, pois cada área evolui por seu próprio ritmo.

Não se pode, no plano concreto, analisar o direito como um sistema único e engessado; mas sim diversificado e, neste panorama, as mulheres são altamente competitivas, uma vez que buscam o mesmo reconhecimento dos homens.

E nesta busca por reconhecimento, que as mulheres acabam interiorizando a cultura masculina, para, assim, diluir qualquer aspecto considerado feminino ou de estereotipo “frágil”.

Tal comportamento se revela de forma mascarada, existe um real risco da perda da identidade, o processo de desumanização dos escritórios jurídicos transborda para o restante da sociedade.

Em suma, uma das explicações mais plausíveis para a inserção tardia da mulher no direito, sobretudo no Brasil, é o fato de que houve uma admissão tardia delas no mercado de trabalho em geral.

Assim, a solução para um ganho de espaços, com qualidade, passa pelo reconhecimento de homens e mulheres sobre o real papel que desejam desempenhar no campo social e, de como tal perspectiva, pode ser de fato significativo para ambos.

 

4. DO INGRESSO PARA A MAGISTRATURA BRASILEIRA.

O judiciário exerce um dos três poderes conferidos pela Constituição Federal, ao qual é reservada autonomia e independência, cabendo tutelar a jurisdição mediante provocação, tendo a finalidade de promover a solução imparcial dos conflitos apresentados.

Neste prisma, a magistratura se apresenta como uma das carreiras de relevante notoriedade e, por sua, expressividade social.

Por esta razão, deslumbra forte interesse entre bacharéis de direito.

Dada a sua especificidade, não causa estranhamento quanto à dificuldade de ingresso, que assim como as demais funções públicas, no Brasil, é realizada mediante edital de concurso público.

Procedimento administrativo, formalizado pelo poder publico, para selecionar os candidatos que preencham os requisitos e sejam aptos ao exercício.

O texto constitucional não apresenta o termo funcionário público, dessa forma, a expressão servidor público ou agente público ganha sentido amplo na interpretação da legislação vigente.

 

Importante salientar que a Emenda 18/1998 (BRASIL, 1988), introduziu quatro categorias de Agentes Públicos:

Servidores Públicos: trata-se de pessoas físicas que prestam sérvios de vínculo empregatício para a administração pública indireta;

Militares: são pessoas físicas que prestam serviços às Forças Armadas (Marinha, Exército e Aeronáutica);

Particulares em colaboração com o Poder Público: pessoas físicas que prestam serviços ao Estado, sem vínculo empregatício, podendo receber ou não remuneração e.

Agentes Políticos: aqueles tidos como componentes de destaque do Governo, compreendendo aqueles que estão ligados de forma direta.

 

Para o artigo 2º da lei nº 8.112/1990, conceitua-se o servidor público como aquele legalmente investido em cargo público, desde que tenha seguido todas as exigências para tal.

Logo, o magistrado, sendo pessoa física que presta serviços ao Estado, com vínculo empregatício, goza das mesmas prerrogativas e deveres dos demais servidores públicos.

Os membros da Magistratura, Ministério Público, Defensoria Pública, Advocacia Pública e Tribunal de Contas estão submetidos ao regime estatutário estabelecido por leis próprias.

 A Constituição Federal, em seu art. 37, inciso II, dispõe sobre a investidura de cargo ou emprego público, o qual depende de aprovação de provas e títulos e de acordo com a natureza e a complexidade de que exige o cargo.

O texto constitucional entende obrigatória à imposição de concurso público para o provimento dos cargos a disposição, salvo os cargos em comissão que se dão por meio de nomeação.

Importante destacar que, os concursos de provas e títulos, apresentam algumas peculiaridades, pois se dão por ordem classificatória que mensura também a apresentação de títulos especificados no edital, sendo nestes casos exigidos conhecimentos técnicos.

 

“O cargo publico é um conjunto de atribuições e responsabilidades previstas na estrutura organizacional que devem ser cometidas a um servidor, sendo criado por lei.” (BRASIL, 1988)

 

Desta forma, os critérios para admissão devem seguir o mesmo rigor que é esperado pelo cargo.

Especificamente para a magistratura, exige-se bacharelado em direito e exercício de atividade jurídica por três anos, conforme previsto na emenda constitucional 45 de 2004.

A seleção de candidatos se dá mediante concurso de provas e títulos, conforme previsto na constituição federal no seu artigo 93, inciso I.

 

“Lei complementar, de iniciativa do Supremo Tribunal Federal, disporá sobre o Estatuto da Magistratura, observada os seguintes princípios:

I - ingresso na carreira, cujo cargo inicial será o de juiz substituto, mediante concurso público de provas e títulos, com a participação da Ordem dos Advogados do Brasil em todas as fases, exigindo-se do bacharel em direito, no mínimo, três anos de atividade jurídica e obedecendo-se, nas nomeações, à ordem de classificação; (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 45, de 2004)”. (BRASIL, 1998)

 

 

 Também é por oportuno destacar o seguinte dispositivo:

 

“Art. 96 - Compete privativamente:

I - aos tribunais:

c) “prover, na forma prevista nesta Constituição, os cargos de juiz de carreira da respectiva jurisdição;”. (BRASIL, 1988)

 

Devem estar presentes os requisitos da legalidade, moralidade, publicidade, impessoalidade e eficiência.

 

O CNJ dispõe de acordo com a Resolução Nº 75, de 12 de maio de 2009, sobre as etapas e do programa para concurso:

 

“Art. 5º O concurso desenvolver-se-á sucessivamente de acordo com as seguintes etapas:

I - primeira etapa - uma prova objetiva seletiva, de caráter eliminatório e classificatório;

II - segunda etapa - duas provas escritas, de caráter eliminatório e classificatório;

III - terceira etapa - de caráter eliminatório, com as seguintes fases:

a) sindicância da vida pregressa e investigação social;

b) exame de sanidade física e mental;

c) exame psicotécnico;

IV - quarta etapa - uma prova oral, de caráter eliminatório e classificatório;

V - quinta etapa - avaliação de títulos, de caráter classificatório.

§ 1º A participação do candidato em cada etapa ocorrerá necessariamente após habilitação na etapa anterior.

§ 2º Os tribunais poderão realizar, como etapa do certame, curso de formação inicial, de caráter eliminatório ou não.” (BRASIL, 1998)

 

Ao que interessa para este estudo é justamente o fragmento abaixo:

 

“IV - quarta etapa - uma prova oral, de caráter eliminatório e classificatório;”

 

Atribui-se a esta etapa o caráter subjetivo do concurso, pois não é levado em consideração à formação da banca examinadora e se possui legitimidade para julgar o candidato.

Um concurso que atribui cargo na magistratura, dado sua elevada relevância social, não deveria ser guiado pela subjetividade.

Fator agravado pelo fato de grande parte dos tribunais serem compostos por homens, que, por vezes, também, consequentemente compõem as bancas examinadoras para a seleção de novos magistrados.

Suscitando questionamento quanto a lisura no processo seletivo, levando em consideração o machismo cultural e estrutural ainda latente na sociedade e dentro das instituições nos mais diversos seguimentos.

Poderia esta etapa ser dispensável ou ao menos não ter o cunho classificatório?

Segundo os dados aqui levantados e expostos, é justamente nesta etapa que muitos candidatos do gênero feminino são eliminados, não chegando, portanto à etapa final do concurso.

Ficando perene a questão da impessoalidade almejada pelo legislador.

A magistratura brasileira é majoritariamente masculina, já foi maior na década de 1960, quando o número de magistradas (mulheres) no país não chegava a 3%.

Período no qual o gênero feminino sequer podia participar de concursos públicos, muitas mulheres eram impedidas de forma tácita, apenas uma minoria conseguia burlar as barreiras através da influencia de posições sociais mais elevadas.

É verdade que, durante a segunda metade do século XX, houve uma razoável mudança neste panorama eminentemente masculino, mas as conquistas femininas foram tributarias do crescimento populacional feminino nas universidades, em particular nos cursos de Direito, e da luta das mulheres por um processo seletivo em que houvesse maior imparcialidade e impessoalidade.

De acordo com o CNJ, há déficit de 19,8% de juízes no Brasil, que se justifica através do aumento da atividade jurisdicional que é proporcional ao aumento da população nacional.

Portanto, existe uma busca constante pelo preenchimento de vagas que não se completa, devido à restrição de orçamento do judiciário ou mesmo na aplicação do excessivo rigor estabelecido nas bancas examinadoras (Gráfico 1).

 

GRÁFICO 1

 

Nesta perspectiva, existe o reconhecimento da constante demanda na magistratura, acompanhada de um crescente interesse de candidatos dispostos e com capacidade de exercer a atividade jurisdicional.

Todavia, o grande obstáculo é, justamente, a falta de comprometimento dos tribunais em ampliar o acesso especifico para mulheres no poder judiciário.

É imprescindível que exista uma boa escolha de candidatos, sem distinção de gênero, para que estes venham a compor um judiciário mais eficiente e robusto, trazendo consigo a vocação necessária ao exercício.

Mas o que se vê através de números é uma busca por um ideal de magistrado, ou ao menos uma figura que perpetue a magistratura tal qual ela é: arcaica.

A diversidade de gênero na magistratura, pela lógica matemática, deveria corresponder não somente a proporcionalidade da população nacional.

Expressando a diversidade de gênero, proporcionando uma mudança sensível na preservação dos direitos das mulheres.

Para Ferdinand Lassale, em sua obra “A essência da Constituição”, a diversidade de gênero sinaliza de forma contundente o papel nuclear de uma Constituição na formação jurídica do Estado; ou seja, a positivação de seu conteúdo constitucional deve ir de encontro à realidade apresentada no que diz respeito ao poder e relações sociais; porém, em geral as Constituições possuem uma essência abstrata que por vezes não se encaixa nas necessidades apresentadas pela sociedade (1933).

 

5. DA ISONOMIA CONSTITUCIONAL.

A democracia possui como alicerce a liberdade e a igualdade, pressuposto sem o qual não existe possibilidade de garantia de estabilidade politica e jurídica.

Principio básico que tenta contornar um problema que existe desde os primórdios da história humana, visto que há exemplos de como a manutenção do autoritarismo e o totalitarismo podem ser danosos para um povo.

O qual, assisti de forma atônita os estragos causados por governos arbitrários, que encarceram seus cidadãos a mercê da vontade de alguns poucos indivíduos.

O Estado, seja de viés Liberal ou Social, tem buscado a garantia da liberdade e da igualdade constitucional.

O que significa dizer, a proteção das garantias individuais pelo Estado no cerne da construção da cidadania plena.

No entanto, existem severas criticas concernente a aplicação concreta do principio da igualdade, uma vez que se afirma que teria sido absorvida, apenas e tão somente, dentro do viés jurídico formal.

Exemplarmente, o Brasil adotou a premissa da liberdade e igualdade no cerne da Constituição Federal de 1988, após o processo de redemocratização, o que se tornou um marco nas questões sociais, até então distantes do povo.

A Constituição da República Federativa do Brasil apresenta no seu preâmbulo o principio da igualdade como algo primordial para o país, considerado basilar para a manutenção de uma sadia democracia.

 

“Nós, representantes do povo brasileiro, reunidos em Assembleia Nacional Constituinte para instituir um Estado Democrático, destinado a assegurar o exercício dos direitos sociais e individuais, a liberdade, a segurança, o bem-estar, o desenvolvimento, a igualdade e a justiça como valores supremos de uma sociedade fraterna, pluralista e sem preconceitos, fundada na harmonia social e comprometida, na ordem interna e internacional, com a solução pacífica das controvérsias, promulgamos, sob a proteção de Deus, a seguinte”. (BRASIL, 1988)

 

Apesar do preâmbulo constitucional não possuir concretude jurídica, expressa os contornos intrínsecos internos da própria Carta Magna.

Em outras palavras, os princípios expressos projetam a sua força para a interpretação do seu conteúdo.

Ao analisar o texto, especificamente o artigo 5º, inciso I, podemos notar que determina a isonomia no exercício dos direitos e deveres independente do gênero.

De fato, houve um reconhecimento do poder constituinte da necessidade de emancipar a Mulher, que até então era tratada como um ser desprovido de liberdade para governar sua vida social e patrimônio.

Importante destacar que as normas contidas na Constituição possuem eficácia, a aplicabilidade da norma tem força obrigatória, uma vez que a estrutura deve ser respeitada, sendo espinha dorsal do ordenamento jurídico brasileiro.

Logo, toda norma constitucional é apta a produzir efeitos, ressalvadas àquelas que precisam conter um desdobramento em seu dispositivo para então ser possível a sua aplicabilidade no mundo real.

 

Quanto à eficácia da norma do artigo 5º, inciso I:

“Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes:

I - homens E mulheres são iguais em direitos e obrigações, nos termos desta Constituição”. (BRASIL, 1988)

 

Por pressuposto axiomático, a interpretação da norma da igualdade formal deveria ser estendida a todos sem distinção, sem qualquer restrição na realização material.

Entendendo-se que o referido dispositivo tem a sua eficácia plena, imediata e ilimitada; visto que deve produzir efeitos não dependendo de outras normas infraconstitucionais.

O impositivo legal informa que não haverá, entre brasileiros e estrangeiros, distinção que coloque um cidadão munido de privilégios em detrimento de outro, desprovido de direitos.

Todas as pessoas deveriam ter as mesmas garantias.

Isto de acordo com o artigo 5º § 1 (BRASIL, 1988), que dispõe que “as normas definidoras dos direitos e garantias fundamentais que têm aplicação imediata”.

Os preceitos constitucionais devem deixar de ser vistos como simples normas abstratas e passam a ter eficácia imediata sobre a vida concreta.

Primordialmente, as normas geradas existem para proteger o individuo diante do Estado, os direitos fundamentais passam a tutelar os interesses do cidadão nas relações que se estabelecem.

 

FRANCISCO CAMPOS, assegura que:

“O princípio da igualdade, enunciado em termos gerais e absolutos, representa um ideal, uma aspiração ou um postulado contrário às condições efetivamente existentes na sociedade: ele parte do reconhecimento da existência de desigualdades de fato entre os homens para postular a modificação das relações humanas no sentido de tornar iguais os indivíduos que são efetivamente desiguais. Há uma relação polêmica entre o princípio absoluto de igualdade e o fato das desigualdades reinantes entre os homens. O princípio da igualdade perante a lei, ao contrário, tem um conteúdo restrito... Ao passo que o princípio absoluto de igualdade tem por fim alterar a estrutura social, intervindo nela para o efeito de suprimir as desigualdades existentes, o princípio de igualdade perante a lei visa tão somente assegurar o reconhecimento pela lei das igualdades ou desigualdades que, efetivamente, existem entre os homens. O primeiro é uma ideologia, o segundo é um mandamento jurídico de conteúdo limitado e concreto e de valor positivo; o primeiro subordina a realidade a um imperativo destinado a transformá-la, o segundo é uma regra de direito positivo, destinada a limitar ou restringir a ação da lei aos dados da realidade”. (1947: p.I)

 

A solução, para amenizar a desigualdade instituída passa pela Constituição Federal, impõe o principio da igualdade material, denominada de isonomia substancial.

Os iguais devem ser tratados como iguais e os desiguais como desiguais, na exata proporção de suas desigualdades.

O principio absolto da igualdade, em termos legais, deveria ser suficiente para, sozinho, modificar a estrutura social, dando chance aos desiguais de desfrutarem de oportunidades que pudessem colocar a um passo além do sonhado e almejado.

Obviamente, o imperativo legal deve existir como um direito instituído para estabelecer uma meta, a qual a sociedade deveria ser capaz de cumprir, embora não seja totalmente alcançado.

O objeto de estudo, em questão, repousa o seu olhar na estratificação social definida pelo gênero, ainda que não só por ele.

Muito se buscou e se busca para provar que homens e mulheres são igualmente competentes, em suas empreitadas, mas separados por uma ideologia que se materializou e criou raízes como se verdade fosse.

O ordenamento jurídico precisa da concretude material para ganhar força e sentido.

A baixa participação das mulheres no poder judiciário é apenas um foco diante dos vários ainda existentes, de certo que se restringir a igualdade é o mesmo que retirar a liberdade, pois uma esta diretamente ligada à outra.

 

Conforme Silva:

“Onde houver um homem e uma mulher, qualquer tratamento desigual entre eles, a propósito de situações pertinentes a ambos os sexos, constituirá uma infringência constitucional.” (2017: p.219)

 

A desigualdade estrutural é penosa, injusta e, acima de tudo, antijurídica; posto que nenhum sentido existe quando poucos, entre muitos, são escolhidos quanto à utilização das garantias básicas de um estado democrático de direito.

Importante reconhecer que, no Brasil, mesmo nos dias atuais, existe um resquício inequívoco de monarquia escravocrata exercida por aqueles que se acham acima da lei e que reservam para os seus eleitos e afins o usufruto de seus pequenos feudos.

É como se a coisa pública pudesse passar de pai para filho, sem se envergonhar do nepotismo disfarçado de lisura do preenchimento dos requisitos legais.

Todo direito posto no mundo foi conquistado por intermédio de lutas, que sempre foram obstadas por opositores; ou seja, o direito e a norma não surgem do nada como adornos que existem para tornar mais adorável um ambiente; o direito é um fato social, e esta presente para suprir as lacunas deixadas pelos homens.

As mulheres estão consideradas no polo dos desiguais, e, visto desta forma, seria necessário dar a elas a mesma paridade de direitos e uma maior probabilidade de ingresso na magistratura, o que poderia servir de exemplo e ser replicado para outras áreas.

Simultaneamente, o poder público deveria levar a termo o cumprimento da garantia da isonomia.

Mas diante do exposto, como conceber a desigualdade concreta existente na sociedade e permanente no poder judiciário?

 

6. CONVENÇÃO SOBRE A ELIMINAÇÃO DE TODAS AS FORMAS DE DISCRIMINAÇÃO CONTRA A MULHER.

Apesar dos diversos instrumentos jurídicos, a mulher continua alheia à promoção de oportunidades usufruídas pelo homem.

Neste contexto, nasceu, em 1979, a Convenção sobre a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação contra a Mulher (CEDAW).

Depois de constante debate de organismos internacionais no seio da ONU, o Brasil se tornou signatário do tratado, tendo estabelecido reserva quanto o artigo 29 da convenção.

Por que a ressalva? O que diz o artigo 29? Qual reserva foi estabelecida?

A discriminação contra a mulher, sobre todo e qualquer aspecto, revela clara violação ao principio da igualdade, bem como o desrespeito a dignidade da pessoa humana, inserida na Carta dos Direitos da Humanidade.

É primordial, portanto, que se alcance a isonomia de direitos e oportunidades, pois, desta forma, é possível um maior desenvolvimento politico e econômico do país.

Importante destacar que não existe o pleno reconhecimento das melhorias, um exemplo disso é a questão da maternidade, que deve ser visto como sendo de grande importância social, garantindo uma divisão das responsabilidades de pais e mães bem como de toda a sociedade e do próprio Estado.

Para que esta e outras demandas, inerentes à necessidade especifica das mulheres, possam ser atendidas; a Carta estabeleceu que os países signatários são obrigados a assumir o compromisso de seguir o tratado.

Neste sentido, o Brasil tem muito a caminhar, pois deve elaborar e executar politicas afirmativas de inclusão e desenvolvimento de oportunidades, como meio de gerar a equidade necessária.

 

Segue um esboço do tratado que interessa ao objeto de estudo desta pesquisa:

“Artigo 1º - Para os fins da presente Convenção, a expressão "discriminação contra a mulher" significará toda a distinção, exclusão ou restrição baseada no sexo e que tenha por objeto ou resultado prejudicar ou anular o reconhecimento, gozo ou exercício pela mulher, independente de seu estado civil, com base na igualdade do homem e da mulher, dos direitos humanos e liberdades fundamentais nos campos político, econômico, social, cultural e civil ou em qualquer outro campo.”

 

Este artigo é uma pequena amostra do que se deseja conquistar por meio do tratado nos países signatários, e segue:

 

“Artigo” 2º - Os Estados partes condenam a discriminação contra a mulher em todas as suas formas, concordam em seguir, por todos os meios apropriados e sem dilações, uma política destinada a eliminar a discriminação contra a mulher, e com tal objetivo se comprometem a:

 c) estabelecer a proteção jurídica dos direitos da mulher numa base de igualdade com os homem e garantir, por meio dos tribunais nacionais competentes e de outras instituições públicas, e proteção efetiva da mulher contra todo ato de discriminação;”

 

E ainda:

 

“Artigo 7º - (...) c) participar em organizações e associações não governamentais que se ocupem da vida e ocupar cargos públicos e exercer todas as funções públicas em todos os planos governamentais (...)”

 

Destaca-se:

 

“Artigo 11º - 1. Os Estados partes adotarão todas as medidas apropriadas para eliminar a discriminação contra a mulher na esfera do emprego a fim de assegurar, em condições de igualdade entre homens e mulheres, os mesmos direitos, em particular:

b) O direito às mesmas oportunidades de emprego, inclusive a aplicação dos mesmos critérios de seleção em questões de emprego;”

 

O Brasil, através do Decreto Nº 4.377, de 13 de setembro de 2002, promulgou o acordo internacional por meio da Convenção sobre a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação contra a Mulher.

Ao ser signatário de um tratado, o Estado comprometeu-se a elaborar e impor politicas públicas de afirmação e execução quanto à isonomia; no campo social, politico, jurídico e no mercado de trabalho dentre outros fatores.

Neste caso, o Brasil deve trabalhar para que não somente o seu ordenamento jurídico incorpore o tratado, mas também que o próprio Estado mobilize toda sua estrutura como modo de aplicar de forma objetiva o seu conteúdo.

A emenda 45, realizada em 2004, definiu que os tratados relativos aos direitos humanos, devem ter a mesma força das emendas constitucionais, tanto que, para a sua ratificação, são passiveis de execução após sua promulgação.

Após a incorporação do tratado no ordenamento, verifica-se que a norma conflita com a Constituição; ou seja, fere os princípios jurídicos basilares do Estado, sendo auto-executável ou tendo caráter programático, ou seja, se depende de medidas acessórias para ter a sua eficácia objetiva.

No caso da CEDAW, foi incorporado no plano pratico, gerando mudanças ainda que sensíveis, mas de significativa importância nas questões ligadas ao equilíbrio social de gênero.

A mudança do próprio código civil de 2002 é um exemplo disso, equiparou o direito dos cônjuges.

Assim, apesar dos entraves culturais ainda existentes no Brasil, a questão da igualdade gênero, após muitas batalhas no âmbito interno e externo, galgou consideráveis conquistas; quanto à promulgação de leis constitucionais, civis, trabalhistas e penais; que garantem a mulher o reconhecimento de direitos e segurança social assim como o respeito a suas peculiaridades.

No entanto, no que concerne a inserção da mulher na magistratura, pode-se conjecturar que algumas medidas geradoras de paridade no processo seletivo poderiam contribuir para tornar efetivo o artigo 5º da Constituição (1988), que celebra e impõe a igualdade de gênero diante da sociedade e do próprio Estado.

 

7. POSSIVEIS MEDIDAS PARA GERAR A PARIDADE NO PROCESSO SELETIVO PARA A MAGISTRATURA.

Não é possível que a sociedade evolua, enquanto a sua expressão ainda estiver calcada no preconceito de que as mulheres não podem ter igual êxito em suas atividades profissionais, especialmente no poder judiciário.

Nesta perspectiva, surge a seguinte indagação: como melhorar o acesso das mulheres na magistratura?

No caminho para o ingresso na Magistratura, a fase oral em que o candidato se apresenta para uma baca examinadora constitui requisito fortemente questionável, pois beneficia alguns em detrimento de outros.

Poderia-se questionar a referida fase deixasse de existir, ou eventualmente não tivesse peso tão importante, a eficácia da impessoalidade não seria de alguma forma, em menor ou maior grau, ampliada?

Sem duvida, o trajeto, aqui percorrido, conduz a concluir que, ao retirar esta etapa, o requisito para admissão de magistrados se daria de forma mais eficiente e de fato imparcial e impessoal.

Um substitutivo coerente para a fase de arguição, visando contornar a subjetividade, poderia ser o período em que o candidato passa pela de Escola Nacional de Formação e Aperfeiçoamento de Magistrado; comportando peso maior e caráter eliminatório.

Poderia ocorrer, também, o estabelecimento de cotas para as mulheres como meio de tornar maior a participação do gênero na magistratura.

Garantindo o direito das mulheres de poder exercer a profissão para a qual estão preparadas.

Visto ser necessário encontrar mecanismos para garantir a diversidade de gênero, não é possível aceitar a manutenção de antigos estraves do acesso das mulheres no campo profissional, os quais revelam nítida violação da dignidade da pessoa humana.

A tarefa do Estado é garantir politicas publicas que tornem realidade o exercício de um direito constitucional.

É preciso pensar em uma magistratura contemporânea, que trabalhe com a solução dos atuais conflitos de forma autônoma e isenta.

E para que essa empreitada seja alcançada, é preciso que os tribunais se libertem dos estereótipos e preconceitos.

 

8. CONCLUSÃO.

Conclul-se que, de um modo geral, o poder judiciário foi considerado, por muito tempo, como um campo de predomínio masculino e que, por essa razão, não se admitia a participação das mulheres em sua composição.

Todavia, no decorrer do tempo, as mulheres conquistaram o direito de atuar na sociedade, mostrado o seu especial valor, impondo a sua presença nos mais diversos seguimentos profissionais.

No poder judiciário, especificamente, ainda que de forma tímida, esta participação simboliza uma superação diante de todos os obstáculos impostos as mulheres.

Questionou-se neste estudo a disposição dos tribunais para fomentar uma maior participação feminina na magistratura.

Não houve respostas, mas sim a multiplicação de questionamentos e indicação de eventuais passos que podem ser dados para que se tenha um poder judiciário mais homogéneo.

Além dos impositivos legais, praticas de inclusão profissional podem traduzir uma realidade mais plural, alinhada com as atuais demandas sociais.

Em curto prazo, as cotas para mulheres pode se revelar uma possível importante salda.

Outra hipótese aventada para corrigir as distorções advindas da disparidade entre gêneros envolve a restruturação de parte dos processos dos concursos públicos para judiciário.

Também é necessário que, em longo prazo, seja trabalhado as questões de gênero na educação familiar e escolar, pois desempenham um papel importante para projetar o significado da igualdade, uma vez que mulheres e homens não estão limitados a exercer atividades especificas calcado no gênero.

Assim, a investigação e discussão, em torno do acesso das mulheres à magistratura no Brasil, justifica-se a partir da premissa de que apresenta uma assimetria de gênero.

Neste sentido, as mulheres contribuem de maneira considerável para a ciência e para a economia.

Suscitando perguntar como podem elas sofrer algum tipo de restrição no ingresso do poder judiciário?

A única resposta que se coloca é que esta situação de disparidade entre gêneros não pode continuar se perpetuando, as mulheres não deveriam sofrer obstáculos no exercício da sua cidadania em pleno século XXI.

Isto quem afirma é a própria legislação mestra, que impõe tal condição.

Devido a historia posta através de lutas e conquistas, diante de um quadro mental axiomático de preconceito de gênero, a quem diga que nenhum direito foi dado de presente, precisou ser justificado e conquistado.

Admitimos a afirmação que homens e mulheres têm iguais condições de exercer com êxito a sua vocação, seja ela qual for, mas esta só é possível de ser realizada por meio de oportunidades, justamente, o cerne deste artigo.

Nesta perspectiva se originou a discussão aqui apresentada, calcada na bibliográfica e na legislação vigente, que se referem à igualdade de tratamento independente de gênero, neste caso, em especifico, paridade de direitos entre homens e mulheres na magistratura.

 

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