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sexta-feira, 19 de junho de 2020

A didática na formação do docente de filosofia.

FAPEN ON-LINE. Ano 1, Volume 6, Série 19/06, 2020.



Prof. Dr. Fábio Pestana Ramos.

Doutor em Ciências Humanas - USP.
MBA em Gestão de Pessoas - UNIA.
Bacharel em Filosofia - FFLCH/USP.
Licenciado em Filosofia - FE/USP
Licenciado em História - CEUCLAR.


RESUMO:
Pretende-se discutir a relevância do domínio da didática pelos professores de filosofia na educação brasileira e como a ausência de sua exercitação, na formação docente, impactou em uma imagem negativa sobre o papel da filosofia perante a sociedade. O que conduziu a oscilação entre a valorização e banimento da filosofia, a partir da redemocratização em 1985, no ensino fundamental, médio e superior. Implicando no debate crítico dos pressupostos envolvidos na formação docente no âmbito dos cursos de licenciatura em filosofia; na distinção entre a função exercida pelo professor de filosofia, pelo historiador da filosofia e pelo filósofo; e no respectivo papel desempenhado pela didática no processo educativo filosófico fomentador da cidadania.

PALAVRAS-CHAVE: Didática, Ensino de Filosofia, Formação Docente.

 

ABSTRACT: It is intended to discuss the relevance of the domain of didactics by philosophy teachers in Brazilian education and how the absence of their exercise, in teacher training, impacted on a negative image about the role of philosophy before society. What led to the oscillation between the valorization and banishment of philosophy, from the redemocratization in 1985, in elementary, high school and higher education. Involving the critical debate of the assumptions involved in teacher education within the scope of undergraduate courses in philosophy; in the distinction between the role played by the philosophy professor, the historian of philosophy and the philosopher; and the respective role played by didactics in the philosophical educational process that fosters citizenship.

KEYWORDS: Didactics, Philosophy Teaching, Teacher Education.

 

1. INTRODUÇÃO.

Depois de banido, em 1971, o ensino de filosofia foi integrado à praticamente todos os cursos no ensino superior após a redemocratização, em 1985; iniciando o debate sobre sua relevância na educação brasileira, deixando a discussão em aberto até hoje.

A filosofia foi incorporada ao ensino superior, dentro da amplitude das disciplinas introdutórias dos anos iniciais, como articuladora de uma erudição necessária ao perfil desejado de universitários pensantes, disponibilizando senso crítico e reflexivo essencial a todos os segmentos do conhecimento humano.

Isto não aconteceu por força da lei, mas espontaneamente, a partir da percepção da falta que a filosofia fez na formação profissional oriunda dos anos em que esteve ausente.

A legislação só reintroduziu a disciplina como obrigatória, na grade curricular, em 1996; porém, aplicada somente ao ensino médio, pela lei 9394 - Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDB).

O que possibilitou, depois, a partir da década de 2010, um novo banimento da filosofia dos cursos universitários, sendo incorporada a disciplina de sociologia e segmentos afins ou transposta para o ensino à distância; inaugurando a educação hibrida, com carga horária presencial parcial e EAD.

Marcando uma oscilação da filosofia na educação brasileira, entre valorização e banimento, ressaltado a partir da fixação da disciplina como optativa no Ensino Médio, a partir da lei 13.415 de 1997, baseada na Medida Provisória nº 746 de 2016.

Na prática, banindo novamente a filosofia, tal como em 1971, sob o mesmo pretexto usado pelo governo ditatorial, instaurado em 1964, de eliminar a doutrinação ideológica.

Um debate ampliado e retomado pela Nova Base Nacional Comum Curricular (BNCC) - lei nº 13.005/14 -, que instituiu o ensino através de competências e habilidades, por áreas, na Educação de Base, ao invés de conteúdos; inserindo mais uma vez a filosofia como obrigatória, embora sendo apenas um dos componentes de Ciências Humanas e Sociais Aplicadas.

Portanto, tornando a filosofia obrigatória no Ensino Fundamental e Médio, a despeito de diluída em uma carga horária exígua, inferior à necessidade que a disciplina possui para surtir efeito prático na formação do educando; mesclada a outros saberes, dentre os quais história, geografia e sociologia; pretensamente em nome da interdisciplinaridade.

A redemocratização do Brasil, em 1985, conduziu a um fomento do sentimento de cidadania, onde a filosofia foi colocada como principal instrumento necessário à educação do cidadão; mas, na ocasião, os centros de formação docente não estavam preparados para dar conta da demanda.

Até então a filosofia estava restrita a torre de marfim de centros de excelência internacional, formando pesquisadores e professores para segmentos onde a disciplina nunca deixou de ser obrigatória, como cursos de Licenciatura e Direito, dentre outros.

Principalmente quando foi instituída como obrigatória no Ensino Médio, não havia docentes em número adequado para lecionar filosofia, abrindo espaço para adaptações.

Foram utilizados professores com formação em outras áreas na cadeira de filosofia no ensino superior e na educação de base, com consequências extremamente negativas para imagem da disciplina no imaginário popular de parcela significativa da população com menor acesso ao desenvolvimento de erudição, justamente o segmento que mais necessitaria desta formação.

Ao mesmo tempo, aqueles com a formação adequada para lecionar, na maior parte dos casos, possuíam o conhecimento acadêmico, mas não o didático; com efeitos igualmente nocivos para a imagem da filosofia.

O resultado foi o vai e vem da disciplina na educação brasileira em todos os níveis, sem que a população se posicionasse maciçamente em defesa da manutenção e extensão da obrigatoriedade do ensino de filosofia.

 

2. A FILOSOFIA NA EDUCAÇÃO DE BASE.

Os Parâmetros Curriculares Nacionais - PCNs - para o Ensino Médio, seguindo a LDB de 1996, ainda em vigor, reafirmaram a importância da filosofia e da sociologia na formação da cidadania.

O que foi acompanhado por discussões no Congresso Nacional que resultaram em leis complementares e no fomento ao ensino de filosofia na Educação Básica, compondo a chamada filosofia para crianças.

A qual foi rapidamente introduzida em conceituadas escolas particulares e, hoje, está incorporada a Nova BNCC, então ministrada desde os anos iniciais do Ensino Fundamental.

Entretanto, à medida que a popularização da filosofia começou alcançar o grande público leigo, com filmes e publicações especializadas vendidas em banca de jornal, deixando de pertencer somente à cultura erudita para adentrar a massificação e a cultura popular; no ambiente escolar, com raras exceções, o ensino de filosofia tornou-se penoso ao educando e sinônimo de “chatice”.

O que levantou a questão da formação docente e da adequação das práticas didáticas aplicadas ao ensino de filosofia.

Os problemas registrados em sala de aula no Ensino Médio e Fundamental, alcançando até mesmo o ensino superior, podem ter raízes fora deste âmbito.

O centro da questão pode não corresponder ao teor do conteúdo ministrado em filosofia, mas estar concentrado na formação do professor.

Por sua vez, a problemática encontra eco nos parâmetros curriculares contidos nos Projetos Políticos Pedagógicos - PPPs - estabelecidos para os cursos formadores de mão de obra docente, principalmente em seus pressupostos didáticos, portanto, nas licenciaturas em filosofia.

 

3. FILOSOFIA E PPP NA FORMAÇÃO DOCENTE.

A alegoria do “Mito da Caverna” demonstra como estudar filosofia pode ser difícil, cegar em um primeiro momento, fazendo pensar que não estamos entendendo nada e que aquilo não serve para absolutamente nada.

Daí, inclusive, um dos grandes problemas registrados também na formação dos professores de filosofia.

Os PPPs, nos cursos de licenciatura em filosofia, em geral, não trabalham sua grade curricular de forma a estimular a reflexão de alunos e professores para o questionamento do instituído.

É verdade que o PPP de qualquer curso precisa fazer escolhas, sempre contemplando certos objetivos, deixando em segundo plano alguns itens para priorizar outros (VEIGA, 2004: p.13).

Porém, o referencial teórico só pode ser colocado em prática se a realidade e contexto educacional, presente entre os educandos, é levado em consideração.

Ao passo que sempre devemos considerar a questão da diversidade e conduzir o educando a tolerância e respeito para com o outro.

O que, obviamente, não pode deixar de lado também os conteúdos e o enriquecimento cultural e cientifico do sujeito; mas, igualmente, deve considerar as futuras necessidades profissionais do educando.

No caso dos cursos de licenciatura em filosofia, o PPP precisa atender a demanda pela formação docente que possibilite ao futuro professor envolver seu aluno e trazê-lo para o conteúdo.

O grande problema é que as instituições formadoras de quadros docentes, para o ensino de filosofia, centralizam os conteúdos na história da filosofia.

Atendendo uma demanda vivamente presente na Europa, mas que não atende aos anseios e necessidades dos estudantes brasileiros.

Os PPPs dos cursos de licenciatura em filosofia deixam de lado, ou em segundo plano, as questões didáticas.

Aquelas nas quais deveria centralizar esforços, em função, inclusive, do que é a essência da filosofia: questionamento do que está por trás das aparências.

Não se pode esquecer que a filosofia nasceu na antiguidade agregando todas as áreas do conhecimento humano, sendo o que mais se aproximava do que hoje chamamos ciência em um sentido amplo (RAMOS, 2011).

 

4. A RESPONSABILIDADE DIDÁTICA DA FILOSOFIA.

Os filósofos foram os primeiros cientistas e professores, questionando o mundo através de grandes debates em praça pública.

Isto, antes mesmo do aparecimento da escrita, tentando derrubar as verdades estabelecidas.

Na ocasião, surgiu à maiêutica, um processo pedagógico atribuído a Sócrates, constituindo em multiplicar perguntas para obter, por indução de casos particulares e concretos, conceitos gerais (GOLDSCHMIDT, 1963a).

Portanto, desde seus primórdios, filosofia e didática são indissociáveis; uma vez que a discussão filosófica serve ao fomento da procura por respostas, exigindo técnicas de transmissão e troca de saberes, âmago do processo educativo e, simultaneamente, filosófico.

Neste sentido, a figura de Sócrates sintetiza a essência do que é a filosofia, sua utilidade e seu vinculo com a educação.

Procurava pelos jovens, passava horas em praça pública, interpelando os transeuntes, dizendo que quanto mais aprendia, mais percebia nada saber, pois ainda restava muito para conhecer.

Uma ideia expressa pela famosa frase: “Só sei que nada sei”.

Seu método didático consistia em destruir a ilusão do conhecimento, levando seu interlocutor a concluir, por si só, afirmações contraditórias, não tendo outra saída a não ser reconhecer sua própria ignorância.

Na antiguidade, a filosofia servia exatamente para isto, formar o senso crítico, o autodidatismo, fomentar o questionamento, a interação entre as pessoas em busca de uma construção coletiva do conhecimento e um olhar para fora de si mesmo, de volta ao interior do próprio sujeito e transformador da realidade; justamente o que contemporaneamente chamamos de processo educativo.

O que torna a formação docente, em sua dimensão pedagógica, extremamente complexa para os cursos de filosofia.

Uma vez que a formação em filosofia deveria propor a exercitação de práticas didáticas, ajudar a repensar conteúdos.

Neste sentido, poderia se objetar, como fez Kant no século XVIII, professor universitário de filosofia durante toda sua vida, que não se ensina a filosofar, somente se aprende, eliminando a necessidade da presença de professores com formação especifica (FIGUEIREDO, 2005).

O que, a primeira vista, tornaria inútil o curso de licenciatura em filosofia enquanto formador de quadros docentes na área, pois o filósofo não careceria de treinamento técnico.

Ele se construiria com o tempo e através de seus próprios questionamentos.

Alguns poderiam, inclusive, afirmar que a filosofia, como disciplina independente, não precisaria existir, devendo ser integrada aos parâmetros curriculares de outras disciplinas.

É neste ponto que entramos na discussão sobre a distinção entre professor de filosofia, historiador da filosofia e filósofo.

 

5. HISTORIADOR, PROFESSOR E FILÓSOFO.

Em um texto clássico, publicado originalmente no final da década de 1940, o francês Victor Goldschmidt, catedrático da Faculté des Lettres de Rennes, que formou uma geração de filósofos brasileiros que atuaram como docentes nas universidades; forneceu pistas valiosas para discernir as diferenças entre os que poderíamos chamar filósofo, historiador da filosofia e professor de filosofia.

É pena que estas pistas não tenham sido seguidas, pela intelectualidade brasileira, para ajudar a pensar a dimensão didática da filosofia e a estruturação da formação do licenciado no Brasil.

A despeito de terem sido desenvolvidas diferenciações importantes na Europa e boa parte do resto do mundo.

Em “Tempo histórico e tempo lógico na interpretação dos sistemas filosóficos”, Goldschmidt ressaltou que o estudo de textos escritos por filósofos comporta duas maneiras distintas de análise.

O método dogmático “é eminente filosófico (...) aborda uma doutrina conforme a intenção de seu autor”; o método genético, “buscando as causas, (...) se arrisca a explicar o sistema além ou por cima da intenção de seu autor” (GOLDSCHMIDT, 1963b: p.139).

Em linhas gerais, tanto uma como a outra metodologia servem ao entendimento da história da filosofia.

Nas palavras de Oswaldo Porchat Pereira, “a filosofia se constitui em história, (...) [pretendendo] situar e explicar por essa perspectiva histórica um sistema particular” (PEREIRA, 1968: p.08).

Em termos simples, o historiador da filosofia é aquele que faz a leitura dos autores clássicos e da estrutura, entende os argumentos por si mesmos, relaciona a biografia do filósofo e o contexto de época com seu texto.

É o tipo de análise que se ensina veementemente nos bacharelados em filosofia e, com menor grau de intensidade, nas licenciaturas.

O problema é que os graduados em filosofia são induzidos a pensar que ser filósofo é dominar o instrumental de interpretação dos sistemas filosóficos ou, ainda, lecionar filosofia é ensinar os educandos a lidar com a metodologia dogmática e genética.

Em certo sentido, ensinar filosofia também passa por introduzir os educandos nestes referencias teóricos filosóficos, pela leitura de alguns clássicos e pelo domínio do instrumental de interpretação de textos.

Todavia, este é um efeito ou extensão da real abordagem da filosofia no ambiente escolar.

O centro do ensino da filosofia não está fixado na história da filosofia, precisa ir além e não se aprofundar tanto ao mesmo tempo.

Um professor de filosofia não deve tentar ser um historiador.

Necessita transpor as barreiras impostas pelos sistemas filosóficos, construídos para não comportar falhas internas, à medida que compostos por conjuntos de ideias pensadas ao longo de toda uma vida, que dialogaram com seu próprio tempo e os contemporâneos do autor.

O professor de filosofia, dominando técnicas pedagógicas e discussões epistemológicas em torno da educação, precisa saber fazer os clássicos dialogarem entre si, enxergando linhas temáticas mais amplas, relacionadas com o cotidiano do educando.

É preciso que o professor domine e exercite a didática, apesar de sua formação ter lhe ensinado o contrário, desloque do “primeiro plano a preocupação pela estrutura” (GOLDSCHMIDT, 1963b: p.145).

O professor de filosofia, pegando um termo emprestado de Goldschmidt, precisa tomar consciência de sua “responsabilidade filosófica”, criando um ambiente onde “o pensamento se experimenta e se lança, sem ainda determinar-se”; podendo “prevalecer contra a obra, para corrigi-la, prolongá-la ou coroá-la” (GOLDSCHMIDT, 1963b: p.146-147).

Encontra-se neste ponto a confusão, pois os futuros professores de filosofia são treinados pelas licenciaturas para serem historiadores, quando esta seria a função do bacharel.

Ao professor caberia não aceitar ser conduzido pelos pensadores clássicos, mas dirigir a formação da cidadania, ajudando o educando na passagem da heteronomia para a autonomia.

Como lembrou José Eustáquio Romão, “o educando não pode construir sua própria interpretação da realidade, porque ela só lhe aparece como um reflexo do olhar de seus educadores”, remetendo novamente a questão da didática como centro do processo educativo (ROMÃO, 2004: p.149).

É obrigação do professor de filosofia, dentro da proposta da formação da cidadania pela LDB e Nova BNCC, incentivar rupturas e questionamentos.

Não se trata somente de promover o diálogo e a interdisciplinaridade, como pensam a maioria dos gestores educacionais e intelectuais, o ensino de filosofia precisa ser formador de criticidade.

O professor de filosofia, para trabalhar transversalmente, deve plantar a duvida no educando, uma atitude que pode incomodar, pois fomenta o questionamento de conteúdos e verdades estabelecidas, de posturas metodológicas.

A partir desta visão de filosofia, a pergunta que surge é: ao proceder como instigador da curiosidade e agente formador da cidadania, não poderia o professor ser chamado de filósofo?

A resposta não é tão óbvia como parece à primeira vista, porque ao pensar o mundo a sua volta e relacioná-los com contextos e autores clássicos, o professor não deixa de filosofar e incentivar o livre pensamento de seus alunos, que, dialogando como iguais entre si e com ele próprio, também terminam filosofando.

É claro que o professor, ao preparar suas aulas, também é um pesquisador, contribuindo para a construção do conhecimento humano.

Ao lecionar, problematizar e tentar responder questões em conjunto com seus alunos, aprofunda seus próprios conhecimentos (SAVIANI, 2004: p.10).

No entanto, o professor de filosofia não é um filósofo, este último exerce uma contribuição diferente para a sociedade, atuando em uma função também distinta do historiador da filosofia.

O filósofo não precisa, necessariamente, concentrar sua atenção na interação com o outro ou no fomento a cidadania, também não dedica integralmente seu tempo a entender seus pares, embora possa fazê-lo para estabelecer criticas e exercitar um diálogo que ajude na construção de seu sistema filosófico.

Ele pensa o que tudo que o rodeia e tenta ir além das aparências, tal como o professor de filosofia, mas estrutura suas conclusões de forma rigorosa e sistematizada.

O filósofo ultrapassa as questões práticas para teorizar e construir um pensamento que dialoga com seus contemporâneos, mas também com as gerações futuras e com o mundo.

O que não significa dizer que não careça de formação técnica especifica, como em qualquer outra área do conhecimento.

Não existe filósofo sem formação acadêmica superior, é uma piada de muito mal gosto utilizar o termo para designar indivíduos que se dizem filósofos sem nem ao menos ter concluído a educação básica.

Algo comparável a chamar de engenheiro alguém que domina apenas os rudimentos da escrita.

Neste sentido, enquanto o historiador e o professor de filosofia exercem trabalhos técnicos, carecendo do domínio de instrumentais específicos; o filósofo também precisa de conhecimentos técnicos, mas que se inserem em outros pressupostos.

O que não impede um professor ou historiador da filosofia de se tornar um filósofo, simultaneamente, desde que cada função não prejudique o desenvolvimento adequado da esfera vizinha.

Uma postura que quase nunca foi observada ao longo da história do ensino de filosofia no Brasil, daí a confusão reinante que ainda não consegue distinguir o professor do historiador e do filósofo.

O que certamente interfere na concepção didática contida no ambiente educacional, distorcendo a formação docente e, também, a relação professor/aluno no Ensino Fundamental, Médio e Superior; com reflexos nos conteúdos ministrados e na imagem da filosofia perante a sociedade.

 

6. CONCLUSÃO.

No Brasil, existe uma disparidade entre o que os Projetos Político Pedagógico, dos cursos de licenciatura em Filosofia, deveriam ser e o que é; interferindo na formação dos professores e na sua relação com a didática aplicada em sala de aula em todos os segmentos da educação.

Na teoria é um documento participativo e coletivo de transformação, mas a grande questão é que os próprios profissionais da educação desvirtuam o PPP.

Muitos se quer sabem o que é, enquanto outros apenas fingem colocá-lo em prática.

Talvez o caminho, para corrigir este erro, passe pela formação dos professores, um momento em que deveria haver uma conscientização do real papel da didática no exercício do oficio.

O que, pensando dentro do âmbito da formação docente voltada ao ensino, exige priorizar a formação da cidadania e não conteúdos da história da filosofia, estabelecendo uma relação naturalmente pedagógica entre o futuro professor e seu potencial educando.

A LDB - lei 9394/96 - prevê a cidadania como centro do ensino de filosofia; o que foi ratificado pela educação através do desenvolvimento de competências e habilidades, a partir da Nova BNCC.

No Capitulo II, Seção IV, Artigo 36, da LDB, junto com a sociologia, a filosofia é definida como “[conhecimento] (...) [necessário] ao exercício da cidadania”, embora seja recomendada apenas para o ensino médio.

Quanto ao ensino fundamental, no mesmo Capitulo, Seção I, Artigo 22, quando são definidas as intenções da educação básica, é feita a menção “a finalidade [de] desenvolver o educando, assegurar-lhe a formação comum indispensável para o exercício da cidadania e fornecer-lhe meios para progredir no trabalho e em estudos posteriores”.

No entanto, na Seção III, que trata especificamente do ensino fundamental, a filosofia não é citada diretamente, embora seja mencionado, no Artigo 32, o “objetivo a formação básica do cidadão, mediante (...) o fortalecimento (...) dos laços de solidariedade humana e de tolerância recíproca em que se assenta a vida social”.

Uma definição que, sem intenção concreta, penetra no âmago do que é a filosofia e nas possibilidades abertas por seu ensino na educação básica, no nível médio e nas instituições de nível superior.

Junto com outras disciplinas, o saber filosófico “implica o conhecimento, o uso e a produção histórica dos direitos e deveres do cidadão e o desenvolvimento da consciência cívica e social, que implica a consideração do outro em cada decisão e atitude de natureza pública ou particular” (PCNs, 2002: p.44).

Uma aprendizagem que deveria conduzir o educando a consciência de si mesmo e do outro, da diversidade e do processo de contínua reconstrução da sociedade.

O que foi incorporado a BNCC, mas sem a devida diferenciação com relação a outros componentes das Ciências Humanas e Sociais Aplicadas.

Envolvendo interdisciplinaridade e contextualização de conteúdos em sentido transversal, mas também especificidades da filosofia que, no âmbito da BNCC, não conta com amparo adequado quanto à carga horária reservada e relevância filosófica particularizada.

No entanto, como lembrou Saviani (2004: p.47), uma pedagogia coerente e eficaz está atrelada “com o problema da compreensão do homem; que tipo de homem pretendemos nós atingir através da educação”.

Para realizar esta reflexão é necessário repensar o que entendemos por cidadania, um conceito complexo e, simultaneamente, abrangente, que não cabe neste momento.

Seja qual for esta definição, o cidadão não existe sem criticidade, consciência de si mesmo e do mundo que o rodeia.

Pensando assim, a filosofia, assumindo uma postura instigadora, poderia ajudar os indivíduos a problematizar sua realidade para transformá-la.

Porém, quase nunca o ensino de filosofia cumpre este papel, visto a disciplina, tanto na educação básica como superior, seguir uma linha de orientação equivocada, com conteúdos muito simplistas ou, ao inverso, herméticos.

Um erro em grande parte advindo de uma formação docente inexistente ou distorcida, que confunde o professor de filosofia com o historiador da filosofia ou o filósofo.

É neste ponto que a construção coletiva dos PPPs, nos cursos de licenciatura em filosofia, deveria buscar a adequação dos pressupostos didáticos às reais necessidades da sociedade contemporânea.

Deixar de lado a importação de tendências e assumir uma postura mais próxima da realidade escolar, no ensino médio e fundamental, deveria ser a principal preocupação da BNCC e da formação propiciada pelos cursos de licenciatura em filosofia.

Somente tendo acesso a uma formação adequada, os quadros docentes na área de filosofia poderão quebrar os estereótipos e mostrar sua utilidade, seduzindo os educandos e demonstrando como a filosofia está intensamente presente na vida cotidiana e intimamente relacionada com o processo didático de construção da cidadania.

 

7. REFERÊNCIAS.

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sábado, 25 de abril de 2020

O cenário atual dos cursos de graduação em engenharia de computação no Brasil.


FAPEN ON-LINE. Ano 1, Volume 4, Série 25/04, 2020.


bbb
Prof. Dr. Graciela de Souza Oliver

Pós-Doutorado em História - UFMG.
Doutora em Ensino e História de Ciências da Terra - UNICAMP.
Mestre em Política Científica e Tecnológica - UNICAMP.

Graduada em História - UNICAMP.


Profa. Ms. Márcia Cristina Gomes Molina

Mestre em Ciências Humanas e Sociais - UFABC.

Especialista em Gestão de Pessoas - USCS.
Especialista em Gestão Empresarial - UNINOVE.
Especialista em Docência do Ensino Superior - FA.
Graduada em Administração - UNIA.



RESUMO: O presente artigo busca discutir de maneira abrangente o ensino superior em engenharia de computação no Brasil. Para tanto, resgata-se brevemente o relato sobre os primeiros cursos de engenharia no cenário brasileiro até chegarmos aos últimos dados estatísticos gerais do ensino superior em computação de acordo com o Censo de 2013 realizado pela Sociedade Brasileira de Computação (SBC). Esta análise tem por fim remeter as tensões existentes na formação da área por meio de um viés da Ciência, Tecnologia e Sociedade (CTS)

PALAVRAS-CHAVE: Engenharia, Computação, ensino superior, CTS, SBC.


ABSTRACT: This article discusses comprehensively higher education in computer engineering in Brazil. To this end, we recall briefly the account of the first engineering courses in the Brazilian scene until we get to the last general statistical data of higher education computing according to the 2012 Census conducted by the Brazilian Computer Society (SBC). This analysis is intended to refer tensions in the training area through a bias of Science, Technology and Society (STS)

KEYWORDS: Engineering, Computer Science, Statistics, CTS, SBC.



1. INTRODUÇÃO. 

Observa-se que ao longo do tempo o desenvolvimento científico e tecnológico sempre esteve atrelado à necessidade de atender a uma demanda de mercado e à ideia de desenvolvimento econômico. Desta forma, subentende-se a ciência e a tecnologia como desprovida de qualquer aspecto contextual mais específico. Neste sentido, as novas Diretrizes Curriculares Nacionais de 2002 para os cursos de graduação em Engenharia buscaram resgatar os aspectos sociais, culturais, ambientais e políticos contemplados no desenvolvimento científico, incentivando o desenvolvimento de um conhecimento generalista e humanístico ao aluno de engenharia.

No entanto, observa-se que as tensões existentes entre o desenvolvimento científico visto apenas como mercado e a formação humanística requerida pelas novas diretrizes conflitam. Em meio a esta tensão, acredita-se que a interdisciplinaridade contida nos estudos do campo CTS seja uma alternativa à construção de uma nova formação tecnocientífica. Assim, para que se compreenda o engendramento desses conflitos e as alternativas possíveis, faz-se necessário compreender aspectos históricos dessa trajetória de formação da área.

 

2. A TRAJETÓRIA DOS CURSOS DE ENGENHARIA DE COMPUTAÇÃO NO CENÁRIO BRASILEIRO. 

Os cursos de engenharia emergiram em meio à necessidade de expansão dos conhecimentos científicos e da urgência em solucionar os problemas de forma prática no decorrer do século XVIII e XIX, especialmente a partir da construção e desenvolvimento de maquinários.

Os primeiros cursos na área de engenharia no Brasil datam de 1699 e emergem por meio do ensino militar na Aula de Fortificação. 

Entretanto alguns registros apontam a realização do primeiro curso formal de engenharia como sendo na Academia Real Militar, em 1810. E, alguns autores ainda citam a Real Academia de Artilharia, Fortificação e Desenho, de 1792, situada no Rio de Janeiro como precursora dos cursos de engenharia devido às suas aulas de fortificação (SANTOS; SILVA, 2008, p.1-2).

A Academia Real Militar é considerada a terceira escola de engenharia do mundo e a primeira das Américas. 

Nesse momento, a engenharia era aprendida pelo ensino de ciências exatas o que contribuía para a formação de engenheiros direcionados à construção de canais, caminhos, portos, armamentos, calçadas, etc. Segundo Rocha et al (2007) a Academia Real Militar apresentava cursos voltados às Ciências Matemáticas, Físicas e Naturais, sendo estes disponibilizados em dois cursos: curso de engenharia e ciências militares e outro voltado para a engenharia civil. Na época foi a primeira escola superior a funcionar em um prédio construído para este fim e também reconhecida como o berço da engenharia brasileira. 

De acordo com Santos e Silva (2008, p.02): 

Ao longo dos anos a Academia Real Militar passou por reformas e transformações. De acordo com o Instituto Militar de Engenharia (1999), bem como com Bazzo e Pereira (1997) seu nome mudou quatro vezes: Imperial Academia Militar (1822), Academia Militar da Corte (1832), Escola Militar (1840) e Escola Central (1859).  

Observa-se que, os primeiros cursos de engenharia apresentavam enfoque meramente direcionado às questões da construção civil (obras e artes) e de segurança militar (obras e artes de defesa e estratégicas). 

Posteriormente, em 1874, foi criada a Escola Politécnica do Rio de Janeiro que apresentou um novo caráter nos estudos de engenharia, desvinculando-se da origem militar. 

Em 1876, surgiu a Escola de Minas de Ouro Preto e na sequência, em 1893, a Politécnica de São Paulo e, em 1896, a Escola de Engenharia do Mackenzie College e a Escola do Recife; em 1897, a Politécnica da Bahia e, ainda em 1897, em Porto Alegre, a Escola de Engenharia de Porto Alegre (SANTOS; SILVA, 2008, p.03-04).

O exercício da profissão de engenheiro foi regulamentado em 1933 através do Decreto Federal nº 23.569 (SANTOS; SILVA, 2008, p.03-04), para o qual se estabelece também um conselho de registro de profissão denominado Conselho Regional de Engenharia e Arquitetura -CREA. 

Tendo a história da profissionalização da engenharia agronômica como modelo, desde a década de trinta nota-se uma tríplice aliança de negociação: tendo o Ministério da Educação como fiscalizador e promotor de políticas; o CREA como credenciador das práticas e delimitador dos limites das profissões e, por fim, a comunidade científica responsável pela formação dos currículos e dos recursos humanos (Oliver, 2009).

Atualmente, a Sociedade Brasileira de Computação (SBC) disponibiliza dados estatísticos acerca do ensino superior na área computacional, incluindo Engenharia de Computação com a finalidade de averiguar a evolução da área. 

Esses dados são coletados por meio do Instituto Nacional de Estudos e Cultura (INEP/MEC). E junto com as novas diretrizes de 2002, observamos o mesmo tripé de negociação ou os três principais atores que contribuem para a institucionalização da área no momento atual: Estado; Sociedade Científica e CREA.

 

3. ESTATÍSTICAS GERAIS DA EDUCAÇÃO SUPERIOR EM COMPUTAÇÃO NO CONTEXTO BRASILEIRO.

Desde 2001, a Sociedade Brasileira de Computação (SBC) realiza pesquisas sobre a educação no ensino superior direcionada a quantificação de dados sobre o número de alunos concluintes e ingressantes na área da computação, assim como pesquisas sobre gênero e o crescimento de cursos na área. 

De acordo com os dados  estatísticos do último censo, observou-se que a área computacional, em 2009, apresentou um crescimento expressivo em relação aos anos subsequentes. 

Em 2011, apresentou uma acentuada queda e, em 2012, houve um pequeno aclive na procura de cursos na área.

Diante desta conjuntura, a Sociedade Brasileira de Computação, por meio de grupos de trabalho, tem a finalidade de balizar os dados computados e investir em propostas de melhorias de grades curriculares relacionadas aos cursos da área computacional e também propor novos instrumentos de avaliação.

Segundo o levantamento dos dados estatísticos realizados em 2013, os cursos tecnológicos continuam sendo os mais procurados, correspondendo a 44,91%, seguido pelos cursos de Sistemas da Informação com 26,59%. 

Os cursos relacionados à Ciência da Computação representam 15,30%. Na sequência, com menos expressividade temos os cursos de Engenharia da Computação com 6,63%, Licenciatura em Computação com 4,00%, seguidos por Outros cursos com 1,69%, Sequencial de formação específica com 1,06% e Engenharia de Software com 0,27%, conforme ilustrado na FIGURA 1. Todos os cursos de Engenharia a princípio devem ter como uma de suas referências tanto as recomendações do CREA como as novas diretrizes curriculares para engenharias, como um todo.

Nota-se, portanto que a área computacional abrange diversos perfis profissionais e apenas a menor parte destes profissionais estariam vinculados ao sistema histórico de negociação da formação de recursos humanos em C&T. 

Dessa forma, a SBC assume um peso maior nessa delimitação do que os demais atores.


A FIGURA 2 demonstra os estudos realizados pelo SBC em relação à criação de cursos direcionados à área computacional entre 2008 e 2013, e demonstra a Região Sudeste como a região que mais criou cursos na área da computação somando aproximadamente 45,70%, enquanto a Região Sul apresentou 20,60%, na Região Nordeste o índice foi de 17,70%, seguida pela Região Centro-Oeste com 9,60% e a Região Norte apresentou apenas  6,40% de cursos criados na área.


Outro dado demonstrado na FIGURA 2 é que a maior demanda por cursos tecnológicos está concentrada na Região Sudeste e Região Sul do país. Com base nesta constatação, observa-se que os estudantes têm buscado nos cursos superiores de tecnologia uma formação acadêmica específica e de curta duração, em média de dois anos. 

Na FIGURA 3, é possível averiguar a evolução dos cursos superiores tecnológicos em uma escala cronológica.


De acordo com dados do Censo 2013, nota-se que diversas variações quantitativas estão relacionadas à criação das Diretrizes Curriculares Nacionais modificadas em 2002, as quais aprovaram os cursos tecnológicos. 

Estes, por sua vez, são caracterizados pela formação de curto prazo e rápida acessibilidade ao mercado de trabalho, tornando-se atraente para um significativo número de alunos do Ensino Médio.

A maior parte destes cursos é ofertada por universidades privadas e chegam a custar 40% a menos que os cursos de bacharelado. 

As universidades privadas, por sua vez, para formar profissionais em um curto prazo de tempo estruturam suas matrizes curriculares com base em conhecimentos teóricos e técnicos, embasados em disciplinas consideradas “duras” e se fundamentam no exercício prático e racional da profissão.

Este cenário remete à continuidade dos estudos que contempla a possibilidade de ingressar em cursos de pós-graduação lato sensu e stricto sensu ao concluir o curso tecnológico. 

Este é mais um fator que influencia na escolha por estes cursos, haja vista, que o discente em quatro anos (tempo correspondente à duração média de um bacharelado) possa fazer uma graduação e uma especialização neste mesmo período de tempo. 

Acredita-se que o curso de engenharia de computação assim como os demais bacharelados em áreas computacionais sofreu uma queda no período de 2008 e 2012 devido à opção dos alunos por uma formação de curta duração oferecida pelos cursos tecnológicos.


4. MAPEAMENTO DOS CURSOS DE ENGENHARIA DE COMPUTAÇÃO NO BRASIL.

De acordo com os dados do websítio oficial do sistema E-MEC, os cursos de Engenharia de Computação no Brasil abrangem um total 1.039 cursos, sendo que há 1.025 cursos em atividade, 10 cursos em processo de extinção e 4 cursos já foram extintos, conforme TABELA 1 .


Neste contingente, observa-se que 50 cursos são ofertados em universidades públicas em modalidade presencial, enquanto 975 cursos são ofertados em universidades particulares, sendo que dentre esses, 866 cursos são ofertados em modalidade à distância e 109 cursos são oferecidos em modalidade presencial. 

Ressaltando que a maioria dos cursos está concentrada nas Regiões Sudeste e Sul do país, conforme TABELA 2.


Vale destacar que a grande maioria dos cursos de engenharia de computação tem sido ofertada em modalidade à distância em universidades particulares em virtude da flexibilidade de acesso as aulas.

De acordo com dados da Associação Brasileira de Ensino à Distância (ABED), o perfil do aluno de graduação a distância tem sofrido alterações, em um primeiro momento, o perfil do discente era composto por alunos com mais de 30 anos, com família constituída e que atuam no mercado de trabalho e atualmente com a tecnologia, como celulares, notebooks, tablets, redes sociais, o perfil do aluno tem sofrido alterações, agregando alunos cada vez mais jovens.


5. A CONTRIBUIÇÃO DOS ESTUDOS CTS NA FORMAÇÃO EM ENGENHARIA DE COMPUTAÇÃO.

Nota-se que ao longo do tempo a construção científica sempre esteve atrelada a neutralidade.

No entanto, ao resgatarmos aspectos históricos e sobre o perfil da oferta de vagas, observa-se que estes preceitos se mantêm e se estendem às formações.

A concepção do empreendimento tecnocientífico como instrumento descolado da sociedade não se sustenta, nem pelos aspectos históricos, sociais e políticos, com a nova legislação.

Segundo Dias e Serafim (2009) a educação CTS possibilita reflexões acerca dos aspectos humanísticos imbuídos no desenvolvimento em ciência e tecnologia e suscitam uma visão crítica e social que promovem a democratização nesta área.

Para Luckemeyer e Junior (2010, p. 175), os estudos CTS:

se justificam pelas relações e influencia mútua entre Ciência, Tecnologia e Sociedade, pois ao mesmo tempo em que a sociedade define novas tecnologias e encaminhamentos científicos, esses por sua vez, podem interferir na sociedade definindo novas relações sociais e condições de vida.

Corroborando deste entendimento Fuck, Korbes e Invernizzi (2011) compreendem que a disciplina CTS não deve ser limitada apenas aos cursos direcionados ao desenvolvimento de C&T, ela deve ser expandida para as demais áreas do conhecimento, da mesma forma que deve ser reconhecida pelas instituições de ensino e pelos docentes, tão relevante quanto às disciplinas tradicionais que compõem as grades curriculares. 

Neste sentido, os autores reconhecem que:

os estudos CTS colaboram também para a ampliação da percepção da sociedade – ou, ao menos em um primeiro momento, dos estudantes dessa temática – sobre os condicionantes e implicações da pesquisa e do desenvolvimento científico e tecnológico. Para além de um melhor entendimento dessas relações, tais estudos dão embasamento a um posicionamento crítico e mais amplamente informado, uma base imprescindível para a construção de práticas de participação pública mais qualificadas em questões relacionadas às políticas públicas de ciência, tecnologia e inovação (CT&I) (FUCK; KORBES; INVERNIZZI, 2011, p.01).  

Nesta perspectiva, compreendemos que os estudos CTS configuram como um marco conceitual que atrela o desenvolvimento científico ao desenvolvimento humano.

Busca-se com isso assegurar ao educando, especificamente de engenharia de computação, uma postura abrangente e interdisciplinar que esteja atenta as demandas sociais.


6. CONSIDERAÇÕES FINAIS.

Ao longo dos anos observa-se que a área de computação tem se desenvolvido rapidamente.

Muitos são os fatores que contribuíram para essa evolução, entre eles pode-se destacar a necessidade de investimento em tecnologia e a implementação de políticas públicas que empreendam o desenvolvimento tecnocientífico do país.

Atualmente, a Sociedade Brasileira de Computação é reconhecida como a maior associação da América Latina neste segmento.

Ela tem atuado na disseminação do ensino superior em computação por meio de parcerias estratégicas com instituições de ensino e por meio da criação de estatísticas, que possibilitem analisar quantitativamente a evolução nesta área.

Nota-se que a educação profissional e tecnológica tem se destacado nos últimos anos, em virtude de ser uma formação rápida e especializada que capacita o aluno para exercer uma profissão no mercado de trabalho, além de ter sido valorada pela política nacional como uma ação estratégica para o crescimento do país.

Os cursos de engenharia de computação estão concentrados na região Sudeste e Sul do país, sendo ofertado em grande parte na modalidade à distância e por universidades particulares.

Não se nota nessa formação uma preocupação com a geração de inovações, pesquisas de pós-graduação e com parcerias com empresas.

Em recente pesquisa de mestrado abordou-se o tema e se considera que, mesmo nestes cursos de engenharia da computação, a julgar pelos artigos que abordam o contexto das novas diretrizes curriculares em cursos específicos, não há uma clara intenção de incluir uma visão mais humanista e contextualizada do conhecimento científico e tecnológico, voltando-se para os problemas e necessidades locais.

No entanto, é relevante a comunhão de esforços no desenvolvimento da educação tecnológica no Brasil, especificamente em engenharia de computação.

Acredita-se que a contribuição desta área do conhecimento seja fundamental para os futuros desafios do avanço da ciência e da tecnologia na sociedade.

Sendo que, os estudos CTS caracterizados pela sua abrangência investigativa no âmbito educacional, acadêmico e das políticas públicas têm sido reconhecidos como uma alternativa para a compreensão dos fenômenos tecnocientíficos pelo viés dos impactos sociais, ambientais, econômicos, políticos e culturais da C&T. 


7. REFERÊNCIAS.

ABED. Associação Brasileira de Ensino à Distância. Disponível em: http://www.abed.org.br/site/pt/faq/ Acesso em 29 de junho de 2015.

DCNs. Diretrizes Curriculares Nacionais dos cursos de graduação em Engenharia. MEC, Brasília, 2002.

DIAS, Rafael de Brito. SERAFIM, Milena Pavan. Educação CTS: uma proposta para a formação de cientistas e engenheiros. IN: Avaliação: Revista da Avaliação da Educação Superior (Campinas).Avaliação (Campinas), vol. 14 n. 3, Sorocaba nov. 2009. Disponível em: http://dx.doi.org/10.1590/S1414-40772009000300005 Acesso em 20 de julho de 2014.

ECO, Umberto. Como se faz uma tese. São Paulo: Perspectiva, 2010.

FUCK, Marcos Paulo. KORBES, Cleci. INVERNIZZI, Noela. CTS no ensino superior: oportunidades e desafios de uma área em (trans)formação. IN: Revista CTS.net, 2011. Disponível em: http://www.revistacts.net/files/CTS%20NO%20ENSINO%20SUPERIOR.pdf Acesso em 01 de Fevereiro de 2015.

LUCKEMEYER. Alfonso Celso Arruda Bianchini. CASAGRANDE  JUNIOR, Eloy Fassi. Uma introdução aos estudos CTS na América Latina com enfoque em tecnologia e ambiente. IN: Revista Educação e Tecnologia. Periódico Técnico-Científico do Programa de Pós-Graduação em Tecnologia da Universidade Tecnológica Federal do Paraná – UTFPR – Curitiba: Universidade Tecnológica Federal do Paraná (antigo CEFET-PR), n. 10, p. 175- 207, 2010. Disponível em: http://revistas.utfpr.edu.br/pb/index.php/revedutec-ct/article/view/1108 Acesso em 28 de novembro de 2014.

OLIVER, Graciela de Souza. Institucionalização das Ciências Agrícolas e Seu Ensino no Brasil. São Paulo: Annablume, 2009.

PORTAL DO SISTEMA E-MEC. Disponível em: http://emec.mec.gov.br/ Acesso em 02 de junho de 2014.

PORTAL DA SOCIEDADE BRASILEIRA DE COMPUTAÇÃO. Disponível em: http://www.sbc.org.br/ Acesso em 29 de junho de 2015.

ROCHA, Ana Júlia Ferreira. et al. Engenharia, origens e evolução. IN: XXXV Congresso Brasileiro de Educação em Engenharia - COBENGE, 2007. Disponível em: http://www.abenge.org.br/CobengeAnteriores/2007/artigos/178-Ana%20J%C3%BAlia%20Ferreira%20Rocha.pdf Acesso em 13 de junho de 2014.

SANTOS. Sara Rios Bambirra. SILVA. Maria Aparecida. Os cursos de engenharia no Brasil e as transformações nos processos produtivos: do século XIX aos primórdios do século XXI. IN: Educação em foco, 2008.  Disponível em: http://www.uemg.br/openjournal/index.php/educacaoemfoco/article/view/65 Acesso em 02 de Março de 2014.