FAPEN ON-LINE. Ano 1, Volume 6, Série 19/06, 2020.
Prof. Dr. Fábio Pestana Ramos. Doutor em Ciências Humanas - USP. MBA em Gestão de Pessoas - UNIA. Bacharel em Filosofia - FFLCH/USP. Licenciado em Filosofia - FE/USP Licenciado em História - CEUCLAR. |
RESUMO:
Pretende-se
discutir a relevância do domínio da didática pelos professores de filosofia na
educação brasileira e como a ausência de sua exercitação, na formação docente, impactou
em uma imagem negativa sobre o papel da filosofia perante a sociedade. O que
conduziu a oscilação entre a valorização e banimento da filosofia, a partir da redemocratização
em 1985, no ensino fundamental, médio e superior. Implicando no debate crítico
dos pressupostos envolvidos na formação docente no âmbito dos cursos de licenciatura
em filosofia; na distinção entre a função exercida pelo professor de filosofia,
pelo historiador da filosofia e pelo filósofo; e no respectivo papel
desempenhado pela didática no processo educativo filosófico fomentador da
cidadania.
PALAVRAS-CHAVE:
Didática,
Ensino de Filosofia, Formação Docente.
ABSTRACT: It
is intended to discuss the relevance of the domain of didactics by philosophy
teachers in Brazilian education and how the absence of their exercise, in
teacher training, impacted on a negative image about the role of philosophy
before society. What led to the oscillation between the valorization and
banishment of philosophy, from the redemocratization in 1985, in elementary,
high school and higher education. Involving the critical debate of the
assumptions involved in teacher education within the scope of undergraduate
courses in philosophy; in the distinction between the role played by the philosophy
professor, the historian of philosophy and the philosopher; and the respective
role played by didactics in the philosophical educational process that fosters
citizenship.
KEYWORDS:
Didactics,
Philosophy Teaching, Teacher Education.
1. INTRODUÇÃO.
Depois de banido, em 1971, o ensino de filosofia foi
integrado à praticamente todos os cursos no ensino superior após a
redemocratização, em 1985; iniciando o debate sobre sua relevância na educação
brasileira, deixando a discussão em aberto até hoje.
A filosofia foi incorporada ao ensino superior, dentro da
amplitude das disciplinas introdutórias dos anos iniciais, como articuladora de
uma erudição necessária ao perfil desejado de universitários pensantes,
disponibilizando senso crítico e reflexivo essencial a todos os segmentos do
conhecimento humano.
Isto não aconteceu por força da lei, mas espontaneamente,
a partir da percepção da falta que a filosofia fez na formação profissional
oriunda dos anos em que esteve ausente.
A legislação só reintroduziu a disciplina como
obrigatória, na grade curricular, em 1996; porém, aplicada somente ao ensino
médio, pela lei 9394 - Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDB).
O que possibilitou, depois, a partir da década de 2010,
um novo banimento da filosofia dos cursos universitários, sendo incorporada a
disciplina de sociologia e segmentos afins ou transposta para o ensino à
distância; inaugurando a educação hibrida, com carga horária presencial parcial
e EAD.
Marcando uma oscilação da filosofia na educação
brasileira, entre valorização e banimento, ressaltado a partir da fixação da
disciplina como optativa no Ensino Médio, a partir da lei
13.415 de 1997, baseada na Medida Provisória nº 746 de 2016.
Na prática, banindo novamente a filosofia, tal como em
1971, sob o mesmo pretexto usado pelo governo ditatorial, instaurado em 1964,
de eliminar a doutrinação ideológica.
Um debate ampliado e retomado pela Nova Base Nacional
Comum Curricular (BNCC) - lei nº 13.005/14 -, que instituiu o ensino através de
competências e habilidades, por áreas, na Educação de Base, ao invés de conteúdos;
inserindo mais uma vez a filosofia como obrigatória, embora sendo apenas um dos
componentes de Ciências Humanas e Sociais Aplicadas.
Portanto, tornando a filosofia obrigatória no Ensino Fundamental
e Médio, a despeito de diluída em uma carga horária exígua, inferior à necessidade
que a disciplina possui para surtir efeito prático na formação do educando;
mesclada a outros saberes, dentre os quais história, geografia e sociologia;
pretensamente em nome da interdisciplinaridade.
A redemocratização do Brasil, em 1985, conduziu a um
fomento do sentimento de cidadania, onde a filosofia foi colocada como
principal instrumento necessário à educação do cidadão; mas, na ocasião, os centros
de formação docente não estavam preparados para dar conta da demanda.
Até então a filosofia estava restrita a torre de marfim
de centros de excelência internacional, formando pesquisadores e professores
para segmentos onde a disciplina nunca deixou de ser obrigatória, como cursos
de Licenciatura e Direito, dentre outros.
Principalmente quando foi instituída como obrigatória no
Ensino Médio, não havia docentes em número adequado para lecionar filosofia,
abrindo espaço para adaptações.
Foram utilizados professores com formação em outras áreas
na cadeira de filosofia no ensino superior e na educação de base, com consequências
extremamente negativas para imagem da disciplina no imaginário popular de
parcela significativa da população com menor acesso ao desenvolvimento de
erudição, justamente o segmento que mais necessitaria desta formação.
Ao mesmo tempo, aqueles com a formação adequada para
lecionar, na maior parte dos casos, possuíam o conhecimento acadêmico, mas não
o didático; com efeitos igualmente nocivos para a imagem da filosofia.
O resultado foi o vai e vem da disciplina na educação
brasileira em todos os níveis, sem que a população se posicionasse maciçamente em
defesa da manutenção e extensão da obrigatoriedade do ensino de filosofia.
2. A
FILOSOFIA NA EDUCAÇÃO DE BASE.
Os Parâmetros Curriculares Nacionais - PCNs - para o
Ensino Médio, seguindo a LDB de 1996, ainda em vigor, reafirmaram a importância
da filosofia e da sociologia na formação da cidadania.
O que foi acompanhado por discussões no Congresso
Nacional que resultaram em leis complementares e no fomento ao ensino de
filosofia na Educação Básica, compondo a chamada filosofia para crianças.
A qual foi rapidamente introduzida em conceituadas
escolas particulares e, hoje, está incorporada a Nova BNCC, então ministrada
desde os anos iniciais do Ensino Fundamental.
Entretanto, à medida que a popularização da filosofia
começou alcançar o grande público leigo, com filmes e publicações
especializadas vendidas em banca de jornal, deixando de pertencer somente à
cultura erudita para adentrar a massificação e a cultura popular; no ambiente
escolar, com raras exceções, o ensino de filosofia tornou-se penoso ao educando
e sinônimo de “chatice”.
O que levantou a questão da formação docente e da
adequação das práticas didáticas aplicadas ao ensino de filosofia.
Os problemas registrados em sala de aula no Ensino Médio
e Fundamental, alcançando até mesmo o ensino superior, podem ter raízes fora
deste âmbito.
O centro da questão pode não corresponder ao teor do
conteúdo ministrado em filosofia, mas estar concentrado na formação do
professor.
Por sua vez, a problemática encontra eco nos parâmetros
curriculares contidos nos Projetos Políticos Pedagógicos - PPPs - estabelecidos
para os cursos formadores de mão de obra docente, principalmente em seus
pressupostos didáticos, portanto, nas licenciaturas em filosofia.
3.
FILOSOFIA E PPP NA FORMAÇÃO DOCENTE.
A alegoria do “Mito da Caverna” demonstra como estudar
filosofia pode ser difícil, cegar em um primeiro momento, fazendo pensar que
não estamos entendendo nada e que aquilo não serve para absolutamente nada.
Daí, inclusive, um dos grandes problemas registrados
também na formação dos professores de filosofia.
Os PPPs, nos cursos de licenciatura em filosofia, em
geral, não trabalham sua grade curricular de forma a estimular a reflexão de
alunos e professores para o questionamento do instituído.
É verdade que o PPP de qualquer curso precisa fazer
escolhas, sempre contemplando certos objetivos, deixando em segundo plano
alguns itens para priorizar outros (VEIGA, 2004: p.13).
Porém, o referencial teórico só pode ser colocado em
prática se a realidade e contexto educacional, presente entre os educandos, é
levado em consideração.
Ao passo que sempre devemos considerar a questão da
diversidade e conduzir o educando a tolerância e respeito para com o outro.
O que, obviamente, não pode deixar de lado também os
conteúdos e o enriquecimento cultural e cientifico do sujeito; mas, igualmente,
deve considerar as futuras necessidades profissionais do educando.
No caso dos cursos de licenciatura em filosofia, o PPP
precisa atender a demanda pela formação docente que possibilite ao futuro
professor envolver seu aluno e trazê-lo para o conteúdo.
O grande problema é que as instituições formadoras de
quadros docentes, para o ensino de filosofia, centralizam os conteúdos na
história da filosofia.
Atendendo uma demanda vivamente presente na Europa, mas
que não atende aos anseios e necessidades dos estudantes brasileiros.
Os PPPs dos cursos de licenciatura em filosofia deixam de
lado, ou em segundo plano, as questões didáticas.
Aquelas nas quais deveria centralizar esforços, em função,
inclusive, do que é a essência da filosofia: questionamento do que está por
trás das aparências.
Não se pode esquecer que a filosofia nasceu na
antiguidade agregando todas as áreas do conhecimento humano, sendo o que mais
se aproximava do que hoje chamamos ciência em um sentido amplo (RAMOS, 2011).
4. A
RESPONSABILIDADE DIDÁTICA DA FILOSOFIA.
Os filósofos foram os primeiros cientistas e professores,
questionando o mundo através de grandes debates em praça pública.
Isto, antes mesmo do aparecimento da escrita, tentando
derrubar as verdades estabelecidas.
Na ocasião, surgiu à maiêutica, um processo pedagógico
atribuído a Sócrates, constituindo em multiplicar perguntas para obter, por
indução de casos particulares e concretos, conceitos gerais (GOLDSCHMIDT,
1963a).
Portanto, desde seus primórdios, filosofia e didática são
indissociáveis; uma vez que a discussão filosófica serve ao fomento da procura
por respostas, exigindo técnicas de transmissão e troca de saberes, âmago do
processo educativo e, simultaneamente, filosófico.
Neste sentido, a figura de Sócrates sintetiza a essência
do que é a filosofia, sua utilidade e seu vinculo com a educação.
Procurava pelos jovens, passava horas em praça pública,
interpelando os transeuntes, dizendo que quanto mais aprendia, mais percebia
nada saber, pois ainda restava muito para conhecer.
Uma ideia expressa pela famosa frase: “Só sei que nada sei”.
Seu método didático consistia em destruir a ilusão do
conhecimento, levando seu interlocutor a concluir, por si só, afirmações
contraditórias, não tendo outra saída a não ser reconhecer sua própria
ignorância.
Na antiguidade, a filosofia servia exatamente para isto, formar
o senso crítico, o autodidatismo, fomentar o questionamento, a interação entre
as pessoas em busca de uma construção coletiva do conhecimento e um olhar para
fora de si mesmo, de volta ao interior do próprio sujeito e transformador da
realidade; justamente o que contemporaneamente chamamos de processo educativo.
O que torna a formação docente, em sua dimensão
pedagógica, extremamente complexa para os cursos de filosofia.
Uma vez que a formação em filosofia deveria propor a
exercitação de práticas didáticas, ajudar a repensar conteúdos.
Neste sentido, poderia se objetar, como fez Kant no
século XVIII, professor universitário de filosofia durante toda sua vida, que
não se ensina a filosofar, somente se aprende, eliminando a necessidade da
presença de professores com formação especifica (FIGUEIREDO, 2005).
O que, a primeira vista, tornaria inútil o curso de
licenciatura em filosofia enquanto formador de quadros docentes na área, pois o
filósofo não careceria de treinamento técnico.
Ele se construiria com o tempo e através de seus próprios
questionamentos.
Alguns poderiam, inclusive, afirmar que a filosofia, como
disciplina independente, não precisaria existir, devendo ser integrada aos
parâmetros curriculares de outras disciplinas.
É neste ponto que entramos na discussão sobre a distinção
entre professor de filosofia, historiador da filosofia e filósofo.
5.
HISTORIADOR, PROFESSOR E FILÓSOFO.
Em um texto clássico, publicado originalmente no final da
década de 1940, o francês Victor Goldschmidt, catedrático da Faculté des
Lettres de Rennes, que formou uma geração de filósofos brasileiros que atuaram como
docentes nas universidades; forneceu pistas valiosas para discernir as
diferenças entre os que poderíamos chamar filósofo, historiador da filosofia e
professor de filosofia.
É pena que estas pistas não tenham sido seguidas, pela
intelectualidade brasileira, para ajudar a pensar a dimensão didática da
filosofia e a estruturação da formação do licenciado no Brasil.
A despeito de terem sido desenvolvidas diferenciações
importantes na Europa e boa parte do resto do mundo.
Em “Tempo histórico e tempo lógico na interpretação dos
sistemas filosóficos”, Goldschmidt ressaltou que o estudo de textos escritos
por filósofos comporta duas maneiras distintas de análise.
O método dogmático “é eminente filosófico (...) aborda
uma doutrina conforme a intenção de seu autor”; o método genético, “buscando as
causas, (...) se arrisca a explicar o sistema além ou por cima da intenção de
seu autor” (GOLDSCHMIDT, 1963b: p.139).
Em linhas gerais, tanto uma como a outra metodologia
servem ao entendimento da história da filosofia.
Nas palavras de Oswaldo Porchat Pereira, “a filosofia se
constitui em história, (...) [pretendendo] situar e explicar por essa
perspectiva histórica um sistema particular” (PEREIRA, 1968: p.08).
Em termos simples, o historiador da filosofia é aquele
que faz a leitura dos autores clássicos e da estrutura, entende os argumentos
por si mesmos, relaciona a biografia do filósofo e o contexto de época com seu
texto.
É o tipo de análise que se ensina veementemente nos
bacharelados em filosofia e, com menor grau de intensidade, nas licenciaturas.
O problema é que os graduados em filosofia são induzidos
a pensar que ser filósofo é dominar o instrumental de interpretação dos
sistemas filosóficos ou, ainda, lecionar filosofia é ensinar os educandos a
lidar com a metodologia dogmática e genética.
Em certo sentido, ensinar filosofia também passa por
introduzir os educandos nestes referencias teóricos filosóficos, pela leitura
de alguns clássicos e pelo domínio do instrumental de interpretação de textos.
Todavia, este é um efeito ou extensão da real abordagem
da filosofia no ambiente escolar.
O centro do ensino da filosofia não está fixado na
história da filosofia, precisa ir além e não se aprofundar tanto ao mesmo
tempo.
Um professor de filosofia não deve tentar ser um
historiador.
Necessita transpor as barreiras impostas pelos sistemas
filosóficos, construídos para não comportar falhas internas, à medida que
compostos por conjuntos de ideias pensadas ao longo de toda uma vida, que
dialogaram com seu próprio tempo e os contemporâneos do autor.
O professor de filosofia, dominando técnicas pedagógicas
e discussões epistemológicas em torno da educação, precisa saber fazer os
clássicos dialogarem entre si, enxergando linhas temáticas mais amplas,
relacionadas com o cotidiano do educando.
É preciso que o professor domine e exercite a didática,
apesar de sua formação ter lhe ensinado o contrário, desloque do “primeiro
plano a preocupação pela estrutura” (GOLDSCHMIDT, 1963b: p.145).
O professor de filosofia, pegando um termo emprestado de
Goldschmidt, precisa tomar consciência de sua “responsabilidade filosófica”,
criando um ambiente onde “o pensamento se experimenta e se lança, sem ainda
determinar-se”; podendo “prevalecer contra a obra, para corrigi-la, prolongá-la
ou coroá-la” (GOLDSCHMIDT, 1963b: p.146-147).
Encontra-se neste ponto a confusão, pois os futuros
professores de filosofia são treinados pelas licenciaturas para serem
historiadores, quando esta seria a função do bacharel.
Ao professor caberia não aceitar ser conduzido pelos
pensadores clássicos, mas dirigir a formação da cidadania, ajudando o educando
na passagem da heteronomia para a autonomia.
Como lembrou José Eustáquio Romão, “o educando não pode
construir sua própria interpretação da realidade, porque ela só lhe aparece
como um reflexo do olhar de seus educadores”, remetendo novamente a questão da
didática como centro do processo educativo (ROMÃO, 2004: p.149).
É obrigação do professor de filosofia, dentro da proposta
da formação da cidadania pela LDB e Nova BNCC, incentivar rupturas e
questionamentos.
Não se trata somente de promover o diálogo e a
interdisciplinaridade, como pensam a maioria dos gestores educacionais e
intelectuais, o ensino de filosofia precisa ser formador de criticidade.
O professor de filosofia, para trabalhar transversalmente,
deve plantar a duvida no educando, uma atitude que pode incomodar, pois fomenta
o questionamento de conteúdos e verdades estabelecidas, de posturas
metodológicas.
A partir desta visão de filosofia, a pergunta que surge
é: ao proceder como instigador da curiosidade e agente formador da cidadania,
não poderia o professor ser chamado de filósofo?
A resposta não é tão óbvia como parece à primeira vista,
porque ao pensar o mundo a sua volta e relacioná-los com contextos e autores
clássicos, o professor não deixa de filosofar e incentivar o livre pensamento
de seus alunos, que, dialogando como iguais entre si e com ele próprio, também
terminam filosofando.
É claro que o professor, ao preparar suas aulas, também é
um pesquisador, contribuindo para a construção do conhecimento humano.
Ao lecionar, problematizar e tentar responder questões em
conjunto com seus alunos, aprofunda seus próprios conhecimentos (SAVIANI, 2004:
p.10).
No entanto, o professor de filosofia não é um filósofo,
este último exerce uma contribuição diferente para a sociedade, atuando em uma
função também distinta do historiador da filosofia.
O filósofo não precisa, necessariamente, concentrar sua
atenção na interação com o outro ou no fomento a cidadania, também não dedica
integralmente seu tempo a entender seus pares, embora possa fazê-lo para
estabelecer criticas e exercitar um diálogo que ajude na construção de seu
sistema filosófico.
Ele pensa o que tudo que o rodeia e tenta ir além das
aparências, tal como o professor de filosofia, mas estrutura suas conclusões de
forma rigorosa e sistematizada.
O filósofo ultrapassa as questões práticas para teorizar
e construir um pensamento que dialoga com seus contemporâneos, mas também com
as gerações futuras e com o mundo.
O que não significa dizer que não careça de formação
técnica especifica, como em qualquer outra área do conhecimento.
Não existe filósofo sem formação acadêmica superior, é
uma piada de muito mal gosto utilizar o termo para designar indivíduos que se
dizem filósofos sem nem ao menos ter concluído a educação básica.
Algo comparável a chamar de engenheiro alguém que domina
apenas os rudimentos da escrita.
Neste sentido, enquanto o historiador e o professor de
filosofia exercem trabalhos técnicos, carecendo do domínio de instrumentais
específicos; o filósofo também precisa de conhecimentos técnicos, mas que se
inserem em outros pressupostos.
O que não impede um professor ou historiador da filosofia
de se tornar um filósofo, simultaneamente, desde que cada função não prejudique
o desenvolvimento adequado da esfera vizinha.
Uma postura que quase nunca foi observada ao longo da
história do ensino de filosofia no Brasil, daí a confusão reinante que ainda
não consegue distinguir o professor do historiador e do filósofo.
O que certamente interfere na concepção didática contida
no ambiente educacional, distorcendo a formação docente e, também, a relação professor/aluno
no Ensino Fundamental, Médio e Superior; com reflexos nos conteúdos ministrados
e na imagem da filosofia perante a sociedade.
6. CONCLUSÃO.
No Brasil, existe uma disparidade entre o que os Projetos
Político Pedagógico, dos cursos de licenciatura em Filosofia, deveriam ser e o
que é; interferindo na formação dos professores e na sua relação com a didática
aplicada em sala de aula em todos os segmentos da educação.
Na teoria é um documento participativo e coletivo de
transformação, mas a grande questão é que os próprios profissionais da educação
desvirtuam o PPP.
Muitos se quer sabem o que é, enquanto outros apenas
fingem colocá-lo em prática.
Talvez o caminho, para corrigir este erro, passe pela
formação dos professores, um momento em que deveria haver uma conscientização
do real papel da didática no exercício do oficio.
O que, pensando dentro do âmbito da formação docente
voltada ao ensino, exige priorizar a formação da cidadania e não conteúdos da
história da filosofia, estabelecendo uma relação naturalmente pedagógica entre
o futuro professor e seu potencial educando.
A LDB - lei 9394/96 - prevê a cidadania como centro do
ensino de filosofia; o que foi ratificado pela educação através do
desenvolvimento de competências e habilidades, a partir da Nova BNCC.
No Capitulo II, Seção IV, Artigo 36, da LDB, junto com a
sociologia, a filosofia é definida como “[conhecimento] (...) [necessário] ao
exercício da cidadania”, embora seja recomendada apenas para o ensino médio.
Quanto ao ensino fundamental, no mesmo Capitulo, Seção I,
Artigo 22, quando são definidas as intenções da educação básica, é feita a
menção “a finalidade [de] desenvolver o educando, assegurar-lhe a formação
comum indispensável para o exercício da cidadania e fornecer-lhe meios para
progredir no trabalho e em estudos posteriores”.
No entanto, na Seção III, que trata especificamente do
ensino fundamental, a filosofia não é citada diretamente, embora seja
mencionado, no Artigo 32, o “objetivo a formação básica do cidadão, mediante
(...) o fortalecimento (...) dos laços de solidariedade humana e de tolerância
recíproca em que se assenta a vida social”.
Uma definição que, sem intenção concreta, penetra no
âmago do que é a filosofia e nas possibilidades abertas por seu ensino na
educação básica, no nível médio e nas instituições de nível superior.
Junto com outras disciplinas, o saber filosófico “implica
o conhecimento, o uso e a produção histórica dos direitos e deveres do cidadão
e o desenvolvimento da consciência cívica e social, que implica a consideração
do outro em cada decisão e atitude de natureza pública ou particular” (PCNs,
2002: p.44).
Uma aprendizagem que deveria conduzir o educando a
consciência de si mesmo e do outro, da diversidade e do processo de contínua
reconstrução da sociedade.
O que foi incorporado a BNCC, mas sem a devida
diferenciação com relação a outros componentes das Ciências Humanas e Sociais
Aplicadas.
Envolvendo interdisciplinaridade e contextualização de
conteúdos em sentido transversal, mas também especificidades da filosofia que,
no âmbito da BNCC, não conta com amparo adequado quanto à carga horária
reservada e relevância filosófica particularizada.
No entanto, como lembrou Saviani (2004: p.47), uma
pedagogia coerente e eficaz está atrelada “com o problema da compreensão do
homem; que tipo de homem pretendemos nós atingir através da educação”.
Para realizar esta reflexão é necessário repensar o que
entendemos por cidadania, um conceito complexo e, simultaneamente, abrangente,
que não cabe neste momento.
Seja qual for esta definição, o cidadão não existe sem
criticidade, consciência de si mesmo e do mundo que o rodeia.
Pensando assim, a filosofia, assumindo uma postura
instigadora, poderia ajudar os indivíduos a problematizar sua realidade para
transformá-la.
Porém, quase nunca o ensino de filosofia cumpre este
papel, visto a disciplina, tanto na educação básica como superior, seguir uma
linha de orientação equivocada, com conteúdos muito simplistas ou, ao inverso,
herméticos.
Um erro em grande parte advindo de uma formação docente
inexistente ou distorcida, que confunde o professor de filosofia com o historiador
da filosofia ou o filósofo.
É neste ponto que a construção coletiva dos PPPs, nos
cursos de licenciatura em filosofia, deveria buscar a adequação dos
pressupostos didáticos às reais necessidades da sociedade contemporânea.
Deixar de lado a importação de tendências e assumir uma
postura mais próxima da realidade escolar, no ensino médio e fundamental,
deveria ser a principal preocupação da BNCC e da formação propiciada pelos
cursos de licenciatura em filosofia.
Somente tendo acesso a uma formação adequada, os quadros
docentes na área de filosofia poderão quebrar os estereótipos e mostrar sua
utilidade, seduzindo os educandos e demonstrando como a filosofia está
intensamente presente na vida cotidiana e intimamente relacionada com o
processo didático de construção da cidadania.
7.
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