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sexta-feira, 19 de junho de 2020

A didática na formação do docente de filosofia.

FAPEN ON-LINE. Ano 1, Volume 6, Série 19/06, 2020.



Prof. Dr. Fábio Pestana Ramos.

Doutor em Ciências Humanas - USP.
MBA em Gestão de Pessoas - UNIA.
Bacharel em Filosofia - FFLCH/USP.
Licenciado em Filosofia - FE/USP
Licenciado em História - CEUCLAR.


RESUMO:
Pretende-se discutir a relevância do domínio da didática pelos professores de filosofia na educação brasileira e como a ausência de sua exercitação, na formação docente, impactou em uma imagem negativa sobre o papel da filosofia perante a sociedade. O que conduziu a oscilação entre a valorização e banimento da filosofia, a partir da redemocratização em 1985, no ensino fundamental, médio e superior. Implicando no debate crítico dos pressupostos envolvidos na formação docente no âmbito dos cursos de licenciatura em filosofia; na distinção entre a função exercida pelo professor de filosofia, pelo historiador da filosofia e pelo filósofo; e no respectivo papel desempenhado pela didática no processo educativo filosófico fomentador da cidadania.

PALAVRAS-CHAVE: Didática, Ensino de Filosofia, Formação Docente.

 

ABSTRACT: It is intended to discuss the relevance of the domain of didactics by philosophy teachers in Brazilian education and how the absence of their exercise, in teacher training, impacted on a negative image about the role of philosophy before society. What led to the oscillation between the valorization and banishment of philosophy, from the redemocratization in 1985, in elementary, high school and higher education. Involving the critical debate of the assumptions involved in teacher education within the scope of undergraduate courses in philosophy; in the distinction between the role played by the philosophy professor, the historian of philosophy and the philosopher; and the respective role played by didactics in the philosophical educational process that fosters citizenship.

KEYWORDS: Didactics, Philosophy Teaching, Teacher Education.

 

1. INTRODUÇÃO.

Depois de banido, em 1971, o ensino de filosofia foi integrado à praticamente todos os cursos no ensino superior após a redemocratização, em 1985; iniciando o debate sobre sua relevância na educação brasileira, deixando a discussão em aberto até hoje.

A filosofia foi incorporada ao ensino superior, dentro da amplitude das disciplinas introdutórias dos anos iniciais, como articuladora de uma erudição necessária ao perfil desejado de universitários pensantes, disponibilizando senso crítico e reflexivo essencial a todos os segmentos do conhecimento humano.

Isto não aconteceu por força da lei, mas espontaneamente, a partir da percepção da falta que a filosofia fez na formação profissional oriunda dos anos em que esteve ausente.

A legislação só reintroduziu a disciplina como obrigatória, na grade curricular, em 1996; porém, aplicada somente ao ensino médio, pela lei 9394 - Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDB).

O que possibilitou, depois, a partir da década de 2010, um novo banimento da filosofia dos cursos universitários, sendo incorporada a disciplina de sociologia e segmentos afins ou transposta para o ensino à distância; inaugurando a educação hibrida, com carga horária presencial parcial e EAD.

Marcando uma oscilação da filosofia na educação brasileira, entre valorização e banimento, ressaltado a partir da fixação da disciplina como optativa no Ensino Médio, a partir da lei 13.415 de 1997, baseada na Medida Provisória nº 746 de 2016.

Na prática, banindo novamente a filosofia, tal como em 1971, sob o mesmo pretexto usado pelo governo ditatorial, instaurado em 1964, de eliminar a doutrinação ideológica.

Um debate ampliado e retomado pela Nova Base Nacional Comum Curricular (BNCC) - lei nº 13.005/14 -, que instituiu o ensino através de competências e habilidades, por áreas, na Educação de Base, ao invés de conteúdos; inserindo mais uma vez a filosofia como obrigatória, embora sendo apenas um dos componentes de Ciências Humanas e Sociais Aplicadas.

Portanto, tornando a filosofia obrigatória no Ensino Fundamental e Médio, a despeito de diluída em uma carga horária exígua, inferior à necessidade que a disciplina possui para surtir efeito prático na formação do educando; mesclada a outros saberes, dentre os quais história, geografia e sociologia; pretensamente em nome da interdisciplinaridade.

A redemocratização do Brasil, em 1985, conduziu a um fomento do sentimento de cidadania, onde a filosofia foi colocada como principal instrumento necessário à educação do cidadão; mas, na ocasião, os centros de formação docente não estavam preparados para dar conta da demanda.

Até então a filosofia estava restrita a torre de marfim de centros de excelência internacional, formando pesquisadores e professores para segmentos onde a disciplina nunca deixou de ser obrigatória, como cursos de Licenciatura e Direito, dentre outros.

Principalmente quando foi instituída como obrigatória no Ensino Médio, não havia docentes em número adequado para lecionar filosofia, abrindo espaço para adaptações.

Foram utilizados professores com formação em outras áreas na cadeira de filosofia no ensino superior e na educação de base, com consequências extremamente negativas para imagem da disciplina no imaginário popular de parcela significativa da população com menor acesso ao desenvolvimento de erudição, justamente o segmento que mais necessitaria desta formação.

Ao mesmo tempo, aqueles com a formação adequada para lecionar, na maior parte dos casos, possuíam o conhecimento acadêmico, mas não o didático; com efeitos igualmente nocivos para a imagem da filosofia.

O resultado foi o vai e vem da disciplina na educação brasileira em todos os níveis, sem que a população se posicionasse maciçamente em defesa da manutenção e extensão da obrigatoriedade do ensino de filosofia.

 

2. A FILOSOFIA NA EDUCAÇÃO DE BASE.

Os Parâmetros Curriculares Nacionais - PCNs - para o Ensino Médio, seguindo a LDB de 1996, ainda em vigor, reafirmaram a importância da filosofia e da sociologia na formação da cidadania.

O que foi acompanhado por discussões no Congresso Nacional que resultaram em leis complementares e no fomento ao ensino de filosofia na Educação Básica, compondo a chamada filosofia para crianças.

A qual foi rapidamente introduzida em conceituadas escolas particulares e, hoje, está incorporada a Nova BNCC, então ministrada desde os anos iniciais do Ensino Fundamental.

Entretanto, à medida que a popularização da filosofia começou alcançar o grande público leigo, com filmes e publicações especializadas vendidas em banca de jornal, deixando de pertencer somente à cultura erudita para adentrar a massificação e a cultura popular; no ambiente escolar, com raras exceções, o ensino de filosofia tornou-se penoso ao educando e sinônimo de “chatice”.

O que levantou a questão da formação docente e da adequação das práticas didáticas aplicadas ao ensino de filosofia.

Os problemas registrados em sala de aula no Ensino Médio e Fundamental, alcançando até mesmo o ensino superior, podem ter raízes fora deste âmbito.

O centro da questão pode não corresponder ao teor do conteúdo ministrado em filosofia, mas estar concentrado na formação do professor.

Por sua vez, a problemática encontra eco nos parâmetros curriculares contidos nos Projetos Políticos Pedagógicos - PPPs - estabelecidos para os cursos formadores de mão de obra docente, principalmente em seus pressupostos didáticos, portanto, nas licenciaturas em filosofia.

 

3. FILOSOFIA E PPP NA FORMAÇÃO DOCENTE.

A alegoria do “Mito da Caverna” demonstra como estudar filosofia pode ser difícil, cegar em um primeiro momento, fazendo pensar que não estamos entendendo nada e que aquilo não serve para absolutamente nada.

Daí, inclusive, um dos grandes problemas registrados também na formação dos professores de filosofia.

Os PPPs, nos cursos de licenciatura em filosofia, em geral, não trabalham sua grade curricular de forma a estimular a reflexão de alunos e professores para o questionamento do instituído.

É verdade que o PPP de qualquer curso precisa fazer escolhas, sempre contemplando certos objetivos, deixando em segundo plano alguns itens para priorizar outros (VEIGA, 2004: p.13).

Porém, o referencial teórico só pode ser colocado em prática se a realidade e contexto educacional, presente entre os educandos, é levado em consideração.

Ao passo que sempre devemos considerar a questão da diversidade e conduzir o educando a tolerância e respeito para com o outro.

O que, obviamente, não pode deixar de lado também os conteúdos e o enriquecimento cultural e cientifico do sujeito; mas, igualmente, deve considerar as futuras necessidades profissionais do educando.

No caso dos cursos de licenciatura em filosofia, o PPP precisa atender a demanda pela formação docente que possibilite ao futuro professor envolver seu aluno e trazê-lo para o conteúdo.

O grande problema é que as instituições formadoras de quadros docentes, para o ensino de filosofia, centralizam os conteúdos na história da filosofia.

Atendendo uma demanda vivamente presente na Europa, mas que não atende aos anseios e necessidades dos estudantes brasileiros.

Os PPPs dos cursos de licenciatura em filosofia deixam de lado, ou em segundo plano, as questões didáticas.

Aquelas nas quais deveria centralizar esforços, em função, inclusive, do que é a essência da filosofia: questionamento do que está por trás das aparências.

Não se pode esquecer que a filosofia nasceu na antiguidade agregando todas as áreas do conhecimento humano, sendo o que mais se aproximava do que hoje chamamos ciência em um sentido amplo (RAMOS, 2011).

 

4. A RESPONSABILIDADE DIDÁTICA DA FILOSOFIA.

Os filósofos foram os primeiros cientistas e professores, questionando o mundo através de grandes debates em praça pública.

Isto, antes mesmo do aparecimento da escrita, tentando derrubar as verdades estabelecidas.

Na ocasião, surgiu à maiêutica, um processo pedagógico atribuído a Sócrates, constituindo em multiplicar perguntas para obter, por indução de casos particulares e concretos, conceitos gerais (GOLDSCHMIDT, 1963a).

Portanto, desde seus primórdios, filosofia e didática são indissociáveis; uma vez que a discussão filosófica serve ao fomento da procura por respostas, exigindo técnicas de transmissão e troca de saberes, âmago do processo educativo e, simultaneamente, filosófico.

Neste sentido, a figura de Sócrates sintetiza a essência do que é a filosofia, sua utilidade e seu vinculo com a educação.

Procurava pelos jovens, passava horas em praça pública, interpelando os transeuntes, dizendo que quanto mais aprendia, mais percebia nada saber, pois ainda restava muito para conhecer.

Uma ideia expressa pela famosa frase: “Só sei que nada sei”.

Seu método didático consistia em destruir a ilusão do conhecimento, levando seu interlocutor a concluir, por si só, afirmações contraditórias, não tendo outra saída a não ser reconhecer sua própria ignorância.

Na antiguidade, a filosofia servia exatamente para isto, formar o senso crítico, o autodidatismo, fomentar o questionamento, a interação entre as pessoas em busca de uma construção coletiva do conhecimento e um olhar para fora de si mesmo, de volta ao interior do próprio sujeito e transformador da realidade; justamente o que contemporaneamente chamamos de processo educativo.

O que torna a formação docente, em sua dimensão pedagógica, extremamente complexa para os cursos de filosofia.

Uma vez que a formação em filosofia deveria propor a exercitação de práticas didáticas, ajudar a repensar conteúdos.

Neste sentido, poderia se objetar, como fez Kant no século XVIII, professor universitário de filosofia durante toda sua vida, que não se ensina a filosofar, somente se aprende, eliminando a necessidade da presença de professores com formação especifica (FIGUEIREDO, 2005).

O que, a primeira vista, tornaria inútil o curso de licenciatura em filosofia enquanto formador de quadros docentes na área, pois o filósofo não careceria de treinamento técnico.

Ele se construiria com o tempo e através de seus próprios questionamentos.

Alguns poderiam, inclusive, afirmar que a filosofia, como disciplina independente, não precisaria existir, devendo ser integrada aos parâmetros curriculares de outras disciplinas.

É neste ponto que entramos na discussão sobre a distinção entre professor de filosofia, historiador da filosofia e filósofo.

 

5. HISTORIADOR, PROFESSOR E FILÓSOFO.

Em um texto clássico, publicado originalmente no final da década de 1940, o francês Victor Goldschmidt, catedrático da Faculté des Lettres de Rennes, que formou uma geração de filósofos brasileiros que atuaram como docentes nas universidades; forneceu pistas valiosas para discernir as diferenças entre os que poderíamos chamar filósofo, historiador da filosofia e professor de filosofia.

É pena que estas pistas não tenham sido seguidas, pela intelectualidade brasileira, para ajudar a pensar a dimensão didática da filosofia e a estruturação da formação do licenciado no Brasil.

A despeito de terem sido desenvolvidas diferenciações importantes na Europa e boa parte do resto do mundo.

Em “Tempo histórico e tempo lógico na interpretação dos sistemas filosóficos”, Goldschmidt ressaltou que o estudo de textos escritos por filósofos comporta duas maneiras distintas de análise.

O método dogmático “é eminente filosófico (...) aborda uma doutrina conforme a intenção de seu autor”; o método genético, “buscando as causas, (...) se arrisca a explicar o sistema além ou por cima da intenção de seu autor” (GOLDSCHMIDT, 1963b: p.139).

Em linhas gerais, tanto uma como a outra metodologia servem ao entendimento da história da filosofia.

Nas palavras de Oswaldo Porchat Pereira, “a filosofia se constitui em história, (...) [pretendendo] situar e explicar por essa perspectiva histórica um sistema particular” (PEREIRA, 1968: p.08).

Em termos simples, o historiador da filosofia é aquele que faz a leitura dos autores clássicos e da estrutura, entende os argumentos por si mesmos, relaciona a biografia do filósofo e o contexto de época com seu texto.

É o tipo de análise que se ensina veementemente nos bacharelados em filosofia e, com menor grau de intensidade, nas licenciaturas.

O problema é que os graduados em filosofia são induzidos a pensar que ser filósofo é dominar o instrumental de interpretação dos sistemas filosóficos ou, ainda, lecionar filosofia é ensinar os educandos a lidar com a metodologia dogmática e genética.

Em certo sentido, ensinar filosofia também passa por introduzir os educandos nestes referencias teóricos filosóficos, pela leitura de alguns clássicos e pelo domínio do instrumental de interpretação de textos.

Todavia, este é um efeito ou extensão da real abordagem da filosofia no ambiente escolar.

O centro do ensino da filosofia não está fixado na história da filosofia, precisa ir além e não se aprofundar tanto ao mesmo tempo.

Um professor de filosofia não deve tentar ser um historiador.

Necessita transpor as barreiras impostas pelos sistemas filosóficos, construídos para não comportar falhas internas, à medida que compostos por conjuntos de ideias pensadas ao longo de toda uma vida, que dialogaram com seu próprio tempo e os contemporâneos do autor.

O professor de filosofia, dominando técnicas pedagógicas e discussões epistemológicas em torno da educação, precisa saber fazer os clássicos dialogarem entre si, enxergando linhas temáticas mais amplas, relacionadas com o cotidiano do educando.

É preciso que o professor domine e exercite a didática, apesar de sua formação ter lhe ensinado o contrário, desloque do “primeiro plano a preocupação pela estrutura” (GOLDSCHMIDT, 1963b: p.145).

O professor de filosofia, pegando um termo emprestado de Goldschmidt, precisa tomar consciência de sua “responsabilidade filosófica”, criando um ambiente onde “o pensamento se experimenta e se lança, sem ainda determinar-se”; podendo “prevalecer contra a obra, para corrigi-la, prolongá-la ou coroá-la” (GOLDSCHMIDT, 1963b: p.146-147).

Encontra-se neste ponto a confusão, pois os futuros professores de filosofia são treinados pelas licenciaturas para serem historiadores, quando esta seria a função do bacharel.

Ao professor caberia não aceitar ser conduzido pelos pensadores clássicos, mas dirigir a formação da cidadania, ajudando o educando na passagem da heteronomia para a autonomia.

Como lembrou José Eustáquio Romão, “o educando não pode construir sua própria interpretação da realidade, porque ela só lhe aparece como um reflexo do olhar de seus educadores”, remetendo novamente a questão da didática como centro do processo educativo (ROMÃO, 2004: p.149).

É obrigação do professor de filosofia, dentro da proposta da formação da cidadania pela LDB e Nova BNCC, incentivar rupturas e questionamentos.

Não se trata somente de promover o diálogo e a interdisciplinaridade, como pensam a maioria dos gestores educacionais e intelectuais, o ensino de filosofia precisa ser formador de criticidade.

O professor de filosofia, para trabalhar transversalmente, deve plantar a duvida no educando, uma atitude que pode incomodar, pois fomenta o questionamento de conteúdos e verdades estabelecidas, de posturas metodológicas.

A partir desta visão de filosofia, a pergunta que surge é: ao proceder como instigador da curiosidade e agente formador da cidadania, não poderia o professor ser chamado de filósofo?

A resposta não é tão óbvia como parece à primeira vista, porque ao pensar o mundo a sua volta e relacioná-los com contextos e autores clássicos, o professor não deixa de filosofar e incentivar o livre pensamento de seus alunos, que, dialogando como iguais entre si e com ele próprio, também terminam filosofando.

É claro que o professor, ao preparar suas aulas, também é um pesquisador, contribuindo para a construção do conhecimento humano.

Ao lecionar, problematizar e tentar responder questões em conjunto com seus alunos, aprofunda seus próprios conhecimentos (SAVIANI, 2004: p.10).

No entanto, o professor de filosofia não é um filósofo, este último exerce uma contribuição diferente para a sociedade, atuando em uma função também distinta do historiador da filosofia.

O filósofo não precisa, necessariamente, concentrar sua atenção na interação com o outro ou no fomento a cidadania, também não dedica integralmente seu tempo a entender seus pares, embora possa fazê-lo para estabelecer criticas e exercitar um diálogo que ajude na construção de seu sistema filosófico.

Ele pensa o que tudo que o rodeia e tenta ir além das aparências, tal como o professor de filosofia, mas estrutura suas conclusões de forma rigorosa e sistematizada.

O filósofo ultrapassa as questões práticas para teorizar e construir um pensamento que dialoga com seus contemporâneos, mas também com as gerações futuras e com o mundo.

O que não significa dizer que não careça de formação técnica especifica, como em qualquer outra área do conhecimento.

Não existe filósofo sem formação acadêmica superior, é uma piada de muito mal gosto utilizar o termo para designar indivíduos que se dizem filósofos sem nem ao menos ter concluído a educação básica.

Algo comparável a chamar de engenheiro alguém que domina apenas os rudimentos da escrita.

Neste sentido, enquanto o historiador e o professor de filosofia exercem trabalhos técnicos, carecendo do domínio de instrumentais específicos; o filósofo também precisa de conhecimentos técnicos, mas que se inserem em outros pressupostos.

O que não impede um professor ou historiador da filosofia de se tornar um filósofo, simultaneamente, desde que cada função não prejudique o desenvolvimento adequado da esfera vizinha.

Uma postura que quase nunca foi observada ao longo da história do ensino de filosofia no Brasil, daí a confusão reinante que ainda não consegue distinguir o professor do historiador e do filósofo.

O que certamente interfere na concepção didática contida no ambiente educacional, distorcendo a formação docente e, também, a relação professor/aluno no Ensino Fundamental, Médio e Superior; com reflexos nos conteúdos ministrados e na imagem da filosofia perante a sociedade.

 

6. CONCLUSÃO.

No Brasil, existe uma disparidade entre o que os Projetos Político Pedagógico, dos cursos de licenciatura em Filosofia, deveriam ser e o que é; interferindo na formação dos professores e na sua relação com a didática aplicada em sala de aula em todos os segmentos da educação.

Na teoria é um documento participativo e coletivo de transformação, mas a grande questão é que os próprios profissionais da educação desvirtuam o PPP.

Muitos se quer sabem o que é, enquanto outros apenas fingem colocá-lo em prática.

Talvez o caminho, para corrigir este erro, passe pela formação dos professores, um momento em que deveria haver uma conscientização do real papel da didática no exercício do oficio.

O que, pensando dentro do âmbito da formação docente voltada ao ensino, exige priorizar a formação da cidadania e não conteúdos da história da filosofia, estabelecendo uma relação naturalmente pedagógica entre o futuro professor e seu potencial educando.

A LDB - lei 9394/96 - prevê a cidadania como centro do ensino de filosofia; o que foi ratificado pela educação através do desenvolvimento de competências e habilidades, a partir da Nova BNCC.

No Capitulo II, Seção IV, Artigo 36, da LDB, junto com a sociologia, a filosofia é definida como “[conhecimento] (...) [necessário] ao exercício da cidadania”, embora seja recomendada apenas para o ensino médio.

Quanto ao ensino fundamental, no mesmo Capitulo, Seção I, Artigo 22, quando são definidas as intenções da educação básica, é feita a menção “a finalidade [de] desenvolver o educando, assegurar-lhe a formação comum indispensável para o exercício da cidadania e fornecer-lhe meios para progredir no trabalho e em estudos posteriores”.

No entanto, na Seção III, que trata especificamente do ensino fundamental, a filosofia não é citada diretamente, embora seja mencionado, no Artigo 32, o “objetivo a formação básica do cidadão, mediante (...) o fortalecimento (...) dos laços de solidariedade humana e de tolerância recíproca em que se assenta a vida social”.

Uma definição que, sem intenção concreta, penetra no âmago do que é a filosofia e nas possibilidades abertas por seu ensino na educação básica, no nível médio e nas instituições de nível superior.

Junto com outras disciplinas, o saber filosófico “implica o conhecimento, o uso e a produção histórica dos direitos e deveres do cidadão e o desenvolvimento da consciência cívica e social, que implica a consideração do outro em cada decisão e atitude de natureza pública ou particular” (PCNs, 2002: p.44).

Uma aprendizagem que deveria conduzir o educando a consciência de si mesmo e do outro, da diversidade e do processo de contínua reconstrução da sociedade.

O que foi incorporado a BNCC, mas sem a devida diferenciação com relação a outros componentes das Ciências Humanas e Sociais Aplicadas.

Envolvendo interdisciplinaridade e contextualização de conteúdos em sentido transversal, mas também especificidades da filosofia que, no âmbito da BNCC, não conta com amparo adequado quanto à carga horária reservada e relevância filosófica particularizada.

No entanto, como lembrou Saviani (2004: p.47), uma pedagogia coerente e eficaz está atrelada “com o problema da compreensão do homem; que tipo de homem pretendemos nós atingir através da educação”.

Para realizar esta reflexão é necessário repensar o que entendemos por cidadania, um conceito complexo e, simultaneamente, abrangente, que não cabe neste momento.

Seja qual for esta definição, o cidadão não existe sem criticidade, consciência de si mesmo e do mundo que o rodeia.

Pensando assim, a filosofia, assumindo uma postura instigadora, poderia ajudar os indivíduos a problematizar sua realidade para transformá-la.

Porém, quase nunca o ensino de filosofia cumpre este papel, visto a disciplina, tanto na educação básica como superior, seguir uma linha de orientação equivocada, com conteúdos muito simplistas ou, ao inverso, herméticos.

Um erro em grande parte advindo de uma formação docente inexistente ou distorcida, que confunde o professor de filosofia com o historiador da filosofia ou o filósofo.

É neste ponto que a construção coletiva dos PPPs, nos cursos de licenciatura em filosofia, deveria buscar a adequação dos pressupostos didáticos às reais necessidades da sociedade contemporânea.

Deixar de lado a importação de tendências e assumir uma postura mais próxima da realidade escolar, no ensino médio e fundamental, deveria ser a principal preocupação da BNCC e da formação propiciada pelos cursos de licenciatura em filosofia.

Somente tendo acesso a uma formação adequada, os quadros docentes na área de filosofia poderão quebrar os estereótipos e mostrar sua utilidade, seduzindo os educandos e demonstrando como a filosofia está intensamente presente na vida cotidiana e intimamente relacionada com o processo didático de construção da cidadania.

 

7. REFERÊNCIAS.

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terça-feira, 24 de março de 2020

A importância do estágio na formação docente e a sua contribuição para a construção da identidade do professor da educação infantil.



FAPEN ON-LINE. Ano 1, Volume 3, Série 26/03, 2020.


Prof. Dr. Fábio Pestana Ramos

Doutor em Ciências Humanas - USP.
MBA em Gestão de Pessoas - UNIA.
Bacharel em Filosofia - FFLCH/USP.
Licenciado em Filosofia - FE/USP.
Licenciado em História - CEUCLAR.


RESUMO: Em um momento marcado por mudanças na BNCC (Base Nacional Comum Curricular), torna-se necessário discutir um elemento essencial para o sucesso da implantação de mudanças nos parâmetros norteadores do sistema educacional brasileiro, ou seja, a formação dos professores. Simultaneamente, esta formação interfere diretamente em como os educadores se enxergam ao atuar em sala de aula. Assim, pretendemos realizar uma breve reflexão sobre a importância do estágio na formação docente e na construção da identidade do professor, circunscrito à educação infantil.
PALAVRAS-CHAVE: Educação Infantil, Estágio, Formação Docente, Identidade Docente.

ABSTRACT: At a time marked by changes in the BNCC (National Common Curricular Base), it is necessary to discuss an essential element for the successful implementation of changes in the parameters of the Brazilian educational system, that is, teacher training. At the same time, this training directly interferes with the way educators come to see and perform in the classroom. Thus, we intend to make a brief reflection on the importance of the internship in teacher education and in the construction of the teacher's identity, at this moment, circumscribed in early childhood education.
KEYWORDS: Child Education, Internship, Teacher Training, Teacher Identity.


1. INTRODUÇÃO.
Em qualquer área, o conhecimento teórico e a prática são indissociáveis para propiciar o exercício e a identidade profissional.
Neste sentido, a educação infantil, que atende crianças de zero a seis anos, exige do professor uma formação mais complexa do que o senso comum imagina.
A abordagem pedagógica é, inclusive, distinta para bebês (zero até um ano e seis meses), crianças bem pequenas (um ano e sete meses até três anos e onze meses) e crianças pequenas (quatro anos até cinco anos e onze meses).
O estágio insere-se como experiência formativa que completa e expande a aprendizagem teórica necessária para lidar com esta complexidade.
Permite vivenciar situações que desenvolvem competências e habilidades essenciais para condução da formação docente sólida e articulada com identidade e práticas educativas.
Construindo empiricamente saberes necessários para o exercício docente, entrelaçando teoria e prática, em via dupla e contínua, onde um segmento completa e torna-se dependente do outro.

2. A FORMAÇÃO DO IMAGINÁRIO EM TORNO DA EDUCAÇÃO INFANTIL.
Quando o senso comum pensa na educação infantil, imagina uma situação totalmente diversa da realidade.
Soma-se uma infinidade de atitudes preconceituosas e pejorativas, tributárias de um longo processo de formação histórica das mentalidades.
O inicio da construção do sistema educacional brasileiro remonta ao período colonial, quando a profissão docente, em todos os níveis, era exclusivamente masculina.
Na Europa, a Companhia de Jesus havia sido fundada por Inácio de Loyola, em 1534, com o objetivo de evangelizar através da educação, sendo seus membros considerados soldados intelectuais de Cristo.
Em 1540, a Companhia foi instituída em Portugal, pouco depois os primeiros jesuítas chegaram ao Brasil, fundando o primeiro colégio em 1551, declarando a intenção de recolher os filhos dos nativos e colonos para ensinar e doutrinar no âmbito do cristianismo.
Os jesuítas pensaram no que hoje chamamos de educação infantil apenas circunscrito à alfabetização, criando uma imagem mais relacionada ao cuidar, servindo ao propósito duplo da doutrinação religiosa, do que ao educar voltado à passagem da heteronomia para a autonomia.
Depois de atritos políticos e em busca de recursos econômicos para reconstruir Portugal, arrasado pelo grande terremoto de 1755, o Marquês de Pombal, primeiro ministro do rei D. José, expulsou os jesuítas da colônia e da metrópole em 1759, confiscando todos os bens da Companhia.
Os jesuítas eram os únicos professores com formação especifica voltada ao atendimento da educação no Brasil, havia outras ordens religiosas e preceptores leigos - todos homes -, mas a Companhia de Jesus, através de seus colégios e missões, atendia a ampla maioria da população.
Na Europa havia centros de formação exclusivamente voltados a preparar os jesuítas para o exercício do magistério, a contextualização teórica era, depois, complementada com a prática vivenciada nas instituições educacionais da Companhia.
Uma situação análoga ao que contemporaneamente chamamos de estágio era vivida pelos membros da ordem ao iniciar suas obrigações como docentes pregadores, quando eram guiados por membros mais velhos e experientes até que pudessem exercer sua função com autonomia e orientar os novatos.
Ao serem expulsos dos domínios lusitanos, os embrionários centros educacionais na colônia, os únicos a oferecer acesso gratuito, ficaram desprovidos de professores.
A solução da Coroa portuguesa foi ordenar que sargentos de milícia ocupassem as posições, uma vez que os oficiais consideram a função indigna de sua posição social.
A razão da escolha deste segmento como substituto dos jesuítas estava relacionada ao fato dos militares com patente - excetuando, portanto, soldados raros -, serem os únicos com conhecimento teórico minimamente suficiente para lecionar, embora não tivessem a formação pedagógica dos membros da Companhia de Jesus.
No entanto, também existiu outra razão, os jesuítas gozavam de respeito da população e inspiravam confiança nos pais das crianças entregues aos seus cuidados, precisavam ser substituídos por elementos a sua altura.
A Coroa pretendia que os sargentos pudessem se encaixar no perfil imaginado pelo senso comum envolta da infância: cuidadores que alfabetizam e disciplinam para formar bons cristãos.
Lembrando que a infância se estendia até os sete anos nesta época, terminando com ritos de passagem como o casamento, e que a adolescência não existia, nasceu somente no século XIX e se perpetuou no imaginário ao longo do século XX.
É óbvio que o respeito pelas instituições militares lusitanas não foi transferido aos sargentos transvestidos de professores, não tardou para que a educação se transformasse em cópia dos procedimentos adotados em quartéis para formar soldados.
A educação foi militarizada, ao invés de jogos e brincadeiras, pedagogia jesuíta, adquirida da cultura indígena, os sargentos passaram a utilizar a palmatória, abandonaram o cuidar e a alfabetização pelo simples disciplinar.
A violência física utilizada para submeter os escravos africanos foi transposta para educação, os sargentos não inspiraram a necessária confiança nos pais e em seus filhos, recorrendo à brutalidade para disciplinar.
Nasceu a imagem fixada até nossos dias de ensino tradicional, aplicada à educação infantil, com função disciplinadora, exercitada pela violência, que não goza da confiança da sociedade.

3. A TRANSFORMAÇÃO DA PROFISSÃO DOCENTE EM FEMININA.
Depois de um período de transição, quando o acesso à educação foi ampliado no final do período colonial, com a chegada ao Rio de Janeiro da família real portuguesa, a independência do Brasil trouxe novas mudanças.
O modelo educacional britânico foi oficialmente adotado, embora os professores da época não estivessem adequadamente preparados para implementá-lo.
A profissão docente foi se transformando em predominantemente feminina, o magistério passou a ser visto como uma extensão da maternidade, inspirando a confiança dos pais, originando a expressão tia para designar a professora.
Visando poupar custos, em 1849, o nível intelectual do professor do ensino regular normal foi rebaixado para a exigência da formação primária, antes, desde o inicio do século XIX, era necessário possuir ensino superior.
A reboque, os salários dos professores também sofreram redução significativa, algumas outras funções, como de inspetor, deixaram até mesmo de ser remuneradas, tornando-se voluntárias.
Estas condições forjaram no imaginário popular uma concepção de professora cuidadora, respeitada, mas não valorizada; com muitas docentes identificando a si mesmas como “tias”.
A escola passou a ser vista como dispensável em termos formativo, ao mesmo tempo, essencial como depósito de crianças, um local para deixar os filhos sob supervisão enquanto se trabalha e cuida da própria vida.

4. A IMPORTÂNCIA SOCIAL DA EDUCAÇÃO INFANTIL.
A despeito da autoimagem docente de cuidadora do gênero feminino e da visão equivocada de escola como depósito de crianças desprovido de sentido pedagógico, na contemporaneidade a educação infantil assumiu uma importância social elevada e condizente com os objetivos propostos pela BNCC.
Ainda hoje está presente, mesmo entre professores, embora mais comum naqueles que atuam no ensino fundamental e médio; amplamente fortalecido no senso comum pela trajetória histórica da formação da mentalidade; uma falsa imagem de processos educacionais simplificados aplicados à infância.
A BNCC fixa como objetivos da aprendizagem e desenvolvimento na educação infantil: conviver, brincar, participar, explorar, expressar e conhecer-se; mas o imaginário resume a complexidade pedagógica em torno destes objetivos como brincadeiras que ocupam o tempo das crianças.
A relação entre cuidar e educar é mais complexa, a educação infantil deve promover a aprendizagem e o desenvolvimento, implicando na interação entre práticas educativas para promover a integração das crianças com o mundo físico e social.
Onde a afetividade também deve estar presente, mas não isenta o professor do exercício de seu ofício guiando-se por uma prática eminentemente técnica, que carece de formação adequada, na qual se insere o estágio e o domínio do conhecimento teórico.
Neste contexto, a importância social da educação infantil se sobressai diante da tarefa do educador de servir como mediador no desenvolvimento de competências e habilidades.
O professor de creches e pré-escolas precisa valer-se da ludicidade para organizar ambientes e situações que possibilitem a exercitação da inteligência, construindo novos conhecimentos e valores a partir do capital cultural do educando.
O que novamente remete a formação docente, exigindo que o futuro professor coloque em prática a teoria, realize experimentações e reconstrua sua própria visão de mundo, valorizando a autoimagem de si e da profissão.

5. A DIALÉTICA ENTRE TEORIA E PRÁTICA.
A experimentação propiciada pelo estágio é uma oportunidade de intervenção real junto ao educando, onde a reflexão é fomentada.
Portanto, reconduz a discussão teórica, a qual, por sua vez, anteriormente já requeria do acadêmico o contato direto com a prática; compondo um movimento circular contínuo entre saber teórico e vivência da prática na educação infantil.
Ressalta Freitas e Montandon (2013, p.04) que “na constituição profissional do educador, toda pesquisa contribui para constantes melhorias e para a revisão da prática pedagógica, assim como possibilita a abertura de novos caminhos e entendimentos sobre o contexto de exercício da profissão”.
O estágio constitui uma pesquisa de campo, onde se articula o saber teórico, que é reconfigurado em novas informações e dados; ressignificando a teoria, que exige novamente empiricidade, remetendo a prática e circularidade unívoca entre saber teórico e exercitação lúdica.
O estágio é o fio condutor para articulação da identidade do professor, contribuindo não só para a formação docente, mas, também, para o inicio da adoção de uma postura contínua de pesquisa e reflexão sobre a vivência da prática.
A observação do educando possibilita a coleta de dados e a implementação de novas abordagens pedagógicas, advindas de discussões teóricas inerentes à academia e/ou que surgem da prática para teoria e da teoria para prática, construídas coletivamente com auxilio de educandos e educadores e fruto do debate entre pares nas universidades.  

6. CONCLUSÃO.
O estágio é essencial na formação do educador e no autoconhecimento sobre sua identidade, sua importância não se resume a complementação da teoria transformada em prática.
 Na educação infantil, não serve apenas a observação da criança de zero a seis anos ou ao entendimento do cuidar.
Mais do que profissionalizar, o estágio expande a teoria para o processo contínuo de pesquisa e reconstrução do conhecimento, agregando novos saberes que subsidiam competências e habilidades e, igualmente, estimulando uma postura criativa de práticas pedagógicas particularizadas.
A despeito de linhas pedagógicas de orientação comuns, cada educador, por meio do estágio, constrói sua própria forma de lidar com a infância, reconhecendo-se como professor que intervém na realidade da criança, atendendo a demanda do educando, adaptando a teoria a cada necessidade especifica.
Reescrevendo o planejamento e expectativas acadêmicas de resposta da criança aos estímulos, efetivando o processo educativo com a ampliação do conhecimento.
O estágio é também, simultaneamente, um importante elemento de construção da identidade do professor da educação infantil, introduzindo na essência da docência: um contínuo entrelaçamento entre teoria e prática e uma constante e perpétua reflexão e pesquisa, que rescreve saberes pedagógicos em um movimento dialético, adequando-se às necessidades do educando e do educador.

4. REFERÊNCIAS.
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ANDRADE, Lucimary Bernabé Pedrosa. Prática Docente na Educação Infantil. São Paulo: UnicSul, s.d.
BOURDIEU, Pierre. Escritos de educação. Petrópolis: Vozes, 1998.

BRASIL. Ministério da Educação e do Desporto. Secretaria da Educação Fundamental.
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BRASIL. Ministério da Educação. Secretaria de Educação Básica. Diretrizes curriculares nacionais para a educação infantil. Brasília: MEC/SEB,2010. Disponível em: <https://ndi.ufsc.br/files/2012/02/Diretrizes-Curriculares-para-a-E-I.pdf>. Acesso em: 03 abr. 2020.
BRASIL. Práticas Cotidianas na Educação Infantil – Bases para a reflexão sobre as orientações curriculares. Brasília: MEC, SEB, DICEI, Faculdade de Educação Universidade Federal do Rio Grande do Sul, 2009. Disponível em: <http://portal.mec.gov.br/dmdocuments/relat_seb_praticas_cotidianas.pdf>. Acesso em: 03 abr. 2020.
FREITAS, Adriana; MONTANDON, Ana Carolina de Lima Boaventura. As especificidades da docência na Educação Infantil: o estágio como possibilidade de refleão-ação. REDIVI - Revista de Divulgação Interdisciplinar do Núcleo das Licenciaturas. 2013-1. Itajaí: UNIVALI, 2013. Disponível em: <http://bit.ly/3bCQ5dD>. Acesso em: 03 abr. 2020.
RAMOS, Fábio Pestana. “A constituição afetiva da infância e da família no período colonial: o nascimento da profissão docente no Brasil” In: Profissão Docente e Cultura Escolar. São Paulo: Intersubjetiva, 2004, p.13-40.
RAMOS, Fábio Pestana; MORAIS, Marcos Vinicius de. Eles formaram o Brasil. São Paulo: Contexto, 2010.