RESUMO: A
liberdade e igualdade de gênero na estrutura do judiciário brasileiro são
garantidas pela Constituição, no entanto, existem incongruências na aplicação
da legislação quanto à atuação da mulher (pequeno número presente).
Confrontando dados estatísticos do Conselho Nacional de Justiça (CNJ) e Ordem
dos Advogados do Brasil (OAB), pretende-se demonstrar que a realidade é diversa
dos fundamentos almejados pelo artigo 5º, inciso I, da Constituição Federal,
bem como recepcionado pela Convenção sobre a Eliminação de Todas as Formas de
Discriminação contra a Mulher (CEDAW). O objetivo é iniciar um estudo
sistematizado dos conceitos de gênero, esmiuçando as diretrizes fixadas pela
legislação; estabelecendo um paradigma entre a lei e a convenção, confrontando
ambos diante da realidade enfrentada pelas mulheres no aparelho judiciário e,
dessa forma, verificar a sua correspondência. Para alcançar esta intenção foi
utilizada a metodologia estatística como base de sustentação da argumentação;
mesclada ao método dedutivo, tendo como ferramenta de apoio pesquisa
bibliográfica para fundamentação dos assuntos abordados. O estudo não tem a
pretensão de fornecer respostas às questões apresentadas, mas tão somente
discutir a problemática das discrepâncias existentes frente ao relativamente
pequeno número de mulheres atuantes no poder judiciário, comparativamente aos
seus pares do gênero masculino; uma afronta ao principio da isonomia
constitucional; multiplicando questões. As mulheres são maioria no Brasil,
segundo o IBGE corresponde a 51,4% da população; não obstante, dos 17.670
magistrados, apenas 37,3% pertencem ao gênero feminino; disparidade que se
agrava nos tribunais superiores, os quais possuem menos de 10% de mulheres nos
seus quadros.
PALAVRAS-CHAVE:
Direito Constitucional, Mulheres no Judiciário, Igualdade de Gênero.
ABSTRACT:
The
freedom and gender equality in the structure of the Brazilian judiciary are
guaranteed by the Constitution, however, there are inconsistencies in the
application of legislation regarding the performance of women (small number
present). Comparing statistical data from the National Council of Justice (CNJ)
and the Brazilian Bar Association (OAB), it is intended to demonstrate that the
reality is different from the fundamentals sought by article 5, item I, of the
Federal Constitution, as well as received by the Convention on the Elimination
of All Forms of Discrimination against Women (CEDAW). The objective is to start
a systematic study of the concepts of gender, examining the guidelines
established by the legislation; establishing a paradigm between the law and the
convention, confronting both before the reality faced by women in the judiciary
and, thus, checking their correspondence. To achieve this intention,
statistical methodology was used as a basis for supporting the argument; merged
with the deductive method, using bibliographic research as a support tool to
substantiate the subjects covered. The study does not pretend to provide
answers to the questions presented, but only to discuss the problem of existing
discrepancies in view of the relatively small number of women working in the
judiciary, compared to their male counterparts; an affront to the principle of
constitutional isonomy; multiplying questions. Women are the majority in
Brazil, according to IBGE corresponds to 51.4% of the population; nevertheless,
of the 17,670 magistrates, only 37.3% belong to the female gender; disparity
that worsens in the higher courts, which have less than 10% women on their
staff.
KEYMORDS: Constitutional
Law, Women in the Judiciary, Gender Equality.
1.
INTRODUÇÃO.
A temática das relações de
gênero na magistratura foi suscitada a partir de uma publicação no site do CNJ,
tratava-se de um estudo elaborado pelo próprio órgão em que se destacava o
breve avanço da presença de mulheres nos quadros da cúpula do poder judiciário,
demonstrando, ao mesmo tempo, uma importante discrepância frente ao numero
total de magistrados do gênero masculino no Brasil.
Diante desta realidade, é
possível conceber um questionamento sobre o afrontamento da isonomia
constitucional: pode a magistratura ser considerada masculinizada e a sua
atividade isenta de preconceitos relacionados à equiparação de gênero?
A amplitude da presente
pesquisa é modesta, não pretende fornecer respostas absolutas, mas levantar
indagações que servem para timidamente ampliar o debate.
Para tal, a investigação
repousou seu olhar na análise de um fragmento do texto constitucional,
precisamente o artigo 5º, inciso I; bem como a Convenção sobre a Eliminação de Todas as formas de Discriminação Contra
a Mulher, do qual o Brasil é signatário.
Iniciaremos a discussão com
uma breve explanação sobre o processo de inserção da mulher no mercado de
trabalho e seus desdobramentos.
Inserida na mudança da
legislação, para assegurar o direito civil e constitucional das mulheres.
Realizaremos, também, a
interpretação de artigos esparsos referentes ao assunto, apoiada em obras
jurídicas, filosóficas e pertencente às ciências sociais.
Depois, abordaremos a
situação quantitativa feminina, desde seu ingresso até o exercício da atividade
no poder judiciário, em paralelo com o número de advogadas atuantes e os desafios
trazidos pela profissão.
Respaldado nesta discussão
inicial, apresentaremos as especificidades da isonomia constitucional, na
promoção dos direitos e garantias fundamentais, independentes de gênero.
Traremos à luz as mudanças
concretas propostas pela Convenção sobre a eliminação de todas as formas de
discriminação contra a mulher.
Por fim, discutiremos as
possibilidades para atenuar o problema da baixa participação da mulher no poder
judiciário.
Pretendemos, assim, iniciar
um debate a respeito da discrepância existente no numero de mulheres atuantes
na magistratura brasileira, comparativamente a atuação masculina.
Presume-se que algumas
hipóteses, a serem elencadas, podem servir de parâmetro para reduzir as disparidades
de gênero na magistratura.
Dentre as quais, o
estabelecimento de quotas e mudanças na metodologia de classificação em
concursos públicos.
2.
DESENVOLVIMENTO HISTORICO NO BRASIL DAS MULHERES NO MERCADO DE TRABALHO.
Antes do código vigente,
instituído em 2002, estava em vigor o Código
Civil de 1916, o qual determinava o pátrio poder como força nuclear das
famílias.
Homens, fossem maridos ou
pais, exerciam o poder nuclear da família, cabendo às mulheres desempenhar um papel
submisso e servil, dentro e fora das relações privadas.
A simples desconformidade
com a situação poderia gerar castigos físicos e tornar as consortes cativas
dentro de seus lares.
Pode-se constatar, portanto,
um notável desequilíbrio nas relações de gênero transbordadas para cultura
social brasileira ao longo da trajetória histórica nacional.
Um exemplo disso é que as
mulheres necessitavam de autorização para estudar ou trabalhar e, talvez, por
isso mesmo, seja esta uma das explicações plausíveis para a tímida participação
feminina nas funções de destaque no mercado de trabalho.
A tardia inserção do
divórcio, no ordenamento jurídico brasileiro, é o retrato das uniões de fato,
mas também da libertação da mulher diante das relações de aspecto servil.
Entretanto, era necessário
superar e romper os paradigmas do pátrio poder, até então instituídos na
sociedade, e, essa determinada busca somente seria possível com a participação
da mulher como um ser detentor de cidadania.
O poder libertador do voto
era algo almejado pelos movimentos sufragistas nacionais, inspirados pelos
movimentos de igual valor europeus e estadunidenses.
Conquista alcançada no
Brasil somente em 1934, por meio do decreto 21.076, inserido no Código Eleitoral provisório.
O direito ao voto, na época,
somente podia ser exercido por mulheres de forma limitada, restrito aquelas que
desempenhavam atividades economicamente remuneradas.
Mesmo assim, o voto se
tornou um dos principais avanços conquistado pelo gênero feminino.
Uma vez, que, por meio
deste, as mulheres poderiam escolher representantes mais alinhados as suas
reivindicações.
A participação feminina
passou a ser minimamente mais completa, pois, por meio do voto, mulheres eram
aceitas como cidadãs, não sendo mais meras cumpridoras das leis masculinas, as quais
muitas vezes as oprimiam.
No Brasil, a participação
das mulheres na sociedade sempre foi movida por meio de preconceitos e
limitações, desde o seu ingresso no meio acadêmico, é o que apontam dados
estatísticos do IBGE da década de 1980, quando apenas 27,1% das mulheres
adultas eram alfabetizadas (1985).
Tal circunstancia se
reverbera no mercado de trabalho, através da atuação feminina em atividades de
impacto insignificantes e salários módicos, resultando na exploração da mão de
obra disponível, a qual se mantinha sem a devida qualificação.
As muitas barreiras forjaram
a necessidade do engajamento feminino nos sindicatos, havia urgência na
discussão sobre a discriminação no tratamento dos patrões e dos colegas no
ambiente de trabalho, assim como a construção de um engajamento pela
equiparação salarial e pelo fim da exploração das trabalhadoras.
Segundo o IBGE, hoje, as
mulheres são maioria no Brasil, o número chega a 51,4% da população, dessa
maneira são responsáveis pelo sustento de 37,3% famílias (2013).
A pesquisa indica notável
crescimento na ocupação formal por mulheres entre 30 e 39 anos (43,8%) e entre
50 e 64 anos (64,3%).
Em geral, o índice demonstra
que existe maior ocupação das mulheres em setores da administração pública e no
setor de serviços, enquanto que os homens são maioria na indústria de
transformação; agropecuária, extração vegetal caça e pesca; construção civil,
serviços industriais de utilidade pública; e extrativa mineral.
No comércio, a participação
de homens e mulheres se dá de maneira equilibrada, sendo 20,1% homens e 19,9%
mulheres (IBGE, 2013).
Por oportuno, é importante
salientar que muito se avançou do decorrer dos últimos 50 anos, as mulheres
passaram a agregar, além das ocupações até então exclusivamente privadas,
aquelas também ofertadas pelo mercado de trabalho.
Segundo a estatística do
IBGE, as mulheres passaram a ocupar 44% das vagas disponíveis, no entanto, tais
números despencam para 5% quando se trata de cargos de comando nas empresas e
organizações.
Como se não bastasse, o
ordenado das mulheres, em média, é de 30% menor do que os salários pagos aos
homens (IBGE, 2013).
O contexto histórico pode
explicar a discriminação da mulher em áreas de predomínio masculino.
Atualmente, as mulheres
estudam mais que os homens e constituem a maioria nas escolas e universidades,
mas possuem formação em áreas onde a remuneração é menor, como é o caso da
docência.
O emprego e a renda são dois
componentes que criam condições para que as mulheres se libertem das incontáveis
situações de opressão e humilhação que se submetem diante do convívio
masculino.
O que lhes têm acarretado o
ônus da dupla jornada, somada aos cuidados exclusivos dos filhos e, na maior
parte das vezes, dos idosos.
O rendimento das mulheres
tem crescente participação na renda familiar, uma vez que deslumbra sanar uma
necessidade ditada pelo sistema neoliberal.
Essa situação, relacionada
aos cuidados com a condição materna, suscitada pelos filhos, impõe ao Estado e
a sociedade o dever de promover a igualdade de condições de inserção da mulher
no mercado de trabalho.
Desta forma, são
fundamentais políticas públicas que universalizem o direito do acesso às
creches e a educação das crianças, em diferentes faixas etárias, em tempo
integral.
Insere-se, neste contexto, o
número desproporcional de mulheres na magistratura e seus reflexos, frente às
imposições de igualdade da Carta Magna
de 1988 e da Convenção sobre a Eliminação
de Todas as Formas de Discriminação contra a Mulher.
Em pleno no século XXI, no
Brasil, os tribunais não refletem à proporção que caberia ao gênero feminino em
consonância com a porcentagem de mulheres inseridas na população.
Seguem os quadros mentais
que configuraram historicamente a restrição da participação feminina na
sociedade, delegando um papel menor a maior parcela da sociedade.
Espelham um preconceito de
gênero que merece atenção, quanto à participação das mulheres na cúpula do
poder judiciário e como isto pode se revelar nos resultados emanados pelo
judiciário; seja pelo tratamento paritário das partes em um processo; ou mesmo
na instrumentalização das sentenças estabelecidas.
3.
A REALIDADE DAS MAGISTRADAS NO BRASIL.
O Conselho Nacional de
Justiça elaborou uma interessante pesquisa a respeito do número de mulheres
atuantes na Magistratura brasileira.
Atualmente, estima-se em
37,3% a porcentagem de mulheres na magistratura em todo o país (CNJ, 2017).
Em verdade, trata-se de um
avanço significativo em números, algo extremamente importante, pois revela um
progresso na admissão do gênero feminino no poder judiciário.
Por outro lado, espelha uma
desarmonia considerável, em parte explicada pelo quadro mental com relação à
imagem da mulher, presente ainda na sociedade, enquanto reminiscência
histórica.
A participação feminina de
maior expressão no Brasil aconteceu a partir da década de 60, período em que as
mulheres começaram a conquistar posições mais destacadas no mercado de
trabalho.
A primeira juíza no Brasil
foi Thereza Grisória Tang, gaúcha que prestou concurso público em Santa
Catarina; em 1954, nomeada juíza substitua em Criciúma.
Posteriormente, Maria Rita
Soares de Andrade, sergipana, a qual, após anos na advocacia, ingressou por
meio de concurso público para o juizado federal em 1967.
O que expressa o atraso
brasileiro quanto à inclusão da diversidade de gênero na magistratura.
Embora o retrospecto no
resto do mundo não tenha datação muito anterior à verificada no Brasil, quanto
à inserção feminina na magistratura, em outros países o equilíbrio entre homens
e mulheres avançou mais rápido.
Na França, por exemplo, a
primeira juíza foi nomeada em 1946, mas a equiparação numérica entre gêneros já
estava em patamares quase igualitários em 1972.
A despeito das mulheres
continuarem encontrando barreiras maiores que os homens para a sua inserção na
magistratura, a porcentagem de mulheres juízas na França saltou de 23% em 1950
para 45% em 1972, número que se mantém como mínimo desde então até os dias
atuais, com avanços e retrocessos esporádicos (BOIGEOL, 1996: p.108-129).
No Brasil, reconhecendo a
possibilidade haver uma resistência em permitir a inserção da diversidade de
gênero na magistratura, fruto do quadro das mentalidades inserido em um
contexto cultural patriarcal; como seria possível permitir as mulheres
ingressar no poder judiciário com paridade de direitos e deveres?
Uma resposta é fornecida
pelo ordenamento jurídico, que busca sanar esta discrepância por meio do
positivismo, impondo normas.
Apesar de não ser o
suficiente para garantir a igualdade de gênero, em especial, entre os três
poderes, o que será oportunamente analisado, mais adiante.
Segundo Castilho, “as
legislações nacionais devem cuidar para que os direitos acordados na Convenção
sobre a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação Contra as Mulheres sejam
inseridas em todos os âmbitos, seja social, político ou do trabalho.” (2013:
Qual a página? precisa citar pois esta entre aspas). Todavia, deve-se ter em
mente que o respaldo jurídico é apenas o ponto de partida para o alcance do
ideal almejado, para que avanços concretos sejam de fato obtidos.
Segundo o IBGE (2017), a
população brasileira é de 203,2 milhões de habitantes, sendo 98,419 milhões de
homens (48,4% do total) e 104,772 milhões de mulheres (51,6%).
No entanto, como vimos,
apenas 37,3% da magistratura é ocupada por mulheres.
Nos comandos dos tribunais,
ainda que não se tenha um estudo preciso, uma visão superficial mostra que este
percentual é ainda menor.
Existe uma evidente
desigualdade de gênero no poder judiciário, em uma análise regional os dados
mostram o seguinte quadro: 27 unidades parciais da Federação brasileira há
Estados como o Amapá, com apenas 9,8% de representação feminina; e outros como
o Rio de Janeiro, com 48,6% de mulheres magistradas; sendo o Nordeste a Região
que engloba o maior número de Estados com mais de 40% de juízas (Bahia, Rio
Grande do Norte e Sergipe).
Na política associativa,
contam-se nos dedos de uma das mãos as Presidentas de Associações Nacionais de
Juízes: Ilce Marques de Carvalho (1989/91), Maria Helena Mallmann Sulzbach (1995/97)
e Beatriz de Lima Pereira (1997/99) presidiram a Associação Nacional dos
Magistrados da Justiça do Trabalho (ANAMATRA); Kenarik Boujikian (1999/2001 e 2013/15)
e Dora Martins (2007/09), a Associação Juízes para a Democracia (AJD).
A Associação dos Magistrados
Brasileiros (AMB) e a Associação dos Juízes Federais do Brasil (AJUFE) jamais
tiveram uma Presidenta.
Portanto, um aspecto de
grande relevância é a distorção na atuação das mulheres na base do poder
judiciário, no labor administrativo e na participação ou mesmo controle dos
tribunais.
Cargos subalternos quase
sempre são destinados a elas, pois exigem um estereotipo de servidão passiva.
Apesar dos muitos avanços,
acerca da inserção da mulher no poder judiciário, existe pouca representatividade
feminina nos espaços de poder e comando, o que compromete o resultado
jurisdicional da instituição.
Segundo o professor Edson
Vitorelli (2016), Doutor em Direito pela UFPR; a desigualdade ocorre já na
forma de ingresso das mulheres nos concursos do judiciário.
Analisando, especificamente,
aprovações em concursos públicos, notou que elas seguem de forma demasiadamente
inferior se comparadas aos números de aprovados homens.
O que seria esperado, em uma
sociedade que prima pela igualdade de gênero, é que esta projeção fosse
equivalente, sobretudo consideração à proporção numérica em termos
populacionais em que as mulheres representam mais da metade da população
brasileira.
Nas palavras de Vitorelli:
“Se
a população brasileira é composta de aproximadamente 51% de mulheres e 49% de
homens, e se nós vivemos em uma sociedade na qual existe igualdade de gênero,
seria de se esperar que o número de aprovados, em qualquer concurso, girasse em
torno de metade homens e metade mulheres.” (2016)
O referido autor aponta para
a dificuldade de levantamento destes dados, tendo em vista que os tribunais, de
um modo geral, não armazenavam, até aquela ocasião, informações online.
Ele também pondera, levando
em consideração a carreira de procurador e docente, que entre os bacharéis de
direito, o número de mulheres é significativamente maior ou equivalente em
relação ao de homens.
E que existe ambição, entre
maioria delas, em buscar a inserção no poder judiciário; mas que, de alguma
forma, estes ingressos são frustrados de forma objetiva nas últimas etapas dos
concursos para magistratura (Tabela 1).
O que suscita perguntar como
pode a Carta Maior se valer da máxima da garantia de igualdade, se a realidade
que advêm de um dos três poderes, o judiciário, não aplica o principio da
isonomia e dificulta o acesso das mulheres na magistratura?
Ao analisarmos tais dados,
considerarmos a pesquisa do CNJ, veremos como a inserção das mulheres na
magistratura esta longe de ser equiparada aos quadros masculinos.
Todavia, inversamente,
segundo a divulgação da Ordem dos Advogados do Brasil, a diversidade de gênero
se dá de forma homogenia, quando analisamos a inserção feminina na advocacia
(Tabela 2).
TABELA
2: Número de advogados divididos por gênero.
|
Fonte: OAB. |
A advocacia é uma das
carreiras profissionais em que houve uma notável ampliação no ingresso das
mulheres desde os anos 1980, mas não longe de conter a alguma hostilidades dentro
dos seguimentos da advocacia.
Mesmo diante de uma aparente
paridade de gênero quantitativa na profissão, ainda persiste o estigma de que
mulheres não podem exercer áreas que sejam consideradas difíceis ou de
predomínio masculino, como é o caso do direito penal.
Os dados, no caso dos
advogados, mostram certo equilíbrio das distribuições de gênero em todo o país,
realidade condizente com os dias atuais, uma vez que as mulheres estudam e
trabalham mais do que o registrado em outros períodos da historia recente do
país.
Segundo a pesquisa realizada
pela pesquisadora e advogada Eliane Botelho Junqueira (1998), na década de
1990, as mulheres correspondiam a 50,9%.
Apesar do avanço do número
de advogadas, elas ainda estavam alheias aos postos de comando dos grandes
escritórios de advocacia mesmo sendo consideradas pelos seus pares masculinos
como capazes, responsáveis e conscientes.
A pesquisadora apontou que
as advogadas penetravam com maior facilidade em seguimentos considerados
femininos, como é o caso da conciliação no direito de família e, não por acaso,
os honorários deste seguimento foi considerado como sendo relativamente baixo
quando equiparado aos demais ramos do direito.
Nos estados Unidos por volta
de 1918, às mulheres eram proibidas de ingressar nas carreiras jurídicas.
No geral, naquela mesma
época, o número de advogadas não ultrapassava 5% em todo o país.
Atualmente, tais dados
sofreram radical mudança, elevando-se para 38% dos quadros.
No Brasil, as faculdades de
Direito surgiram em 1827, contendo barreiras formais de ingresso das mulheres.
Não se considerava a
advocacia uma profissão que pudesse admitir mulheres.
Cada área do direito
representa um universo singular, pois, para que o profissional encontre o êxito
que tanto almeja, necessita especialização cada vez maior, e, nesta
perspectiva, os segmentos se subdividem entre aqueles que atuam ou não no
direito contencioso.
É evidente que existe uma
diferença entre as formas de atuação entre homens e mulheres, pois cada área
evolui por seu próprio ritmo.
Não se pode, no plano
concreto, analisar o direito como um sistema único e engessado; mas sim
diversificado e, neste panorama, as mulheres são altamente competitivas, uma
vez que buscam o mesmo reconhecimento dos homens.
E nesta busca por
reconhecimento, que as mulheres acabam interiorizando a cultura masculina,
para, assim, diluir qualquer aspecto considerado feminino ou de estereotipo
“frágil”.
Tal comportamento se revela
de forma mascarada, existe um real risco da perda da identidade, o processo de
desumanização dos escritórios jurídicos transborda para o restante da sociedade.
Em suma, uma das explicações
mais plausíveis para a inserção tardia da mulher no direito, sobretudo no
Brasil, é o fato de que houve uma admissão tardia delas no mercado de trabalho
em geral.
Assim, a solução para um
ganho de espaços, com qualidade, passa pelo reconhecimento de homens e mulheres
sobre o real papel que desejam desempenhar no campo social e, de como tal
perspectiva, pode ser de fato significativo para ambos.
4.
DO INGRESSO PARA A MAGISTRATURA BRASILEIRA.
O judiciário exerce um dos
três poderes conferidos pela Constituição Federal, ao qual é reservada
autonomia e independência, cabendo tutelar a jurisdição mediante provocação,
tendo a finalidade de promover a solução imparcial dos conflitos apresentados.
Neste prisma, a magistratura
se apresenta como uma das carreiras de relevante notoriedade e, por sua,
expressividade social.
Por esta razão, deslumbra
forte interesse entre bacharéis de direito.
Dada a sua especificidade,
não causa estranhamento quanto à dificuldade de ingresso, que assim como as
demais funções públicas, no Brasil, é realizada mediante edital de concurso
público.
Procedimento administrativo,
formalizado pelo poder publico, para selecionar os candidatos que preencham os
requisitos e sejam aptos ao exercício.
O texto constitucional não
apresenta o termo funcionário público, dessa forma, a expressão servidor
público ou agente público ganha sentido amplo na interpretação da legislação
vigente.
Importante salientar que a
Emenda 18/1998 (BRASIL, 1988), introduziu quatro categorias de Agentes
Públicos:
• Servidores Públicos: trata-se de pessoas físicas que prestam
sérvios de vínculo empregatício para a administração pública indireta;
• Militares: são pessoas físicas que prestam serviços às Forças
Armadas (Marinha, Exército e Aeronáutica);
• Particulares em colaboração com o Poder Público: pessoas físicas
que prestam serviços ao Estado, sem vínculo empregatício, podendo receber ou
não remuneração e.
• Agentes Políticos: aqueles tidos como componentes de destaque do
Governo, compreendendo aqueles que estão ligados de forma direta.
Para o artigo 2º da lei nº
8.112/1990, conceitua-se o servidor público como aquele legalmente investido em
cargo público, desde que tenha seguido todas as exigências para tal.
Logo, o magistrado, sendo pessoa
física que presta serviços ao Estado, com vínculo empregatício, goza das mesmas
prerrogativas e deveres dos demais servidores públicos.
Os membros da Magistratura,
Ministério Público, Defensoria Pública, Advocacia Pública e Tribunal de Contas
estão submetidos ao regime estatutário estabelecido por leis próprias.
A Constituição Federal, em seu art. 37, inciso
II, dispõe sobre a investidura de cargo ou emprego público, o qual depende de
aprovação de provas e títulos e de acordo com a natureza e a complexidade de
que exige o cargo.
O texto constitucional
entende obrigatória à imposição de concurso público para o provimento dos
cargos a disposição, salvo os cargos em comissão que se dão por meio de
nomeação.
Importante destacar que, os
concursos de provas e títulos, apresentam algumas peculiaridades, pois se dão
por ordem classificatória que mensura também a apresentação de títulos
especificados no edital, sendo nestes casos exigidos conhecimentos técnicos.
“O
cargo publico é um conjunto de atribuições e responsabilidades previstas na
estrutura organizacional que devem ser cometidas a um servidor, sendo criado
por lei.” (BRASIL, 1988)
Desta forma, os critérios
para admissão devem seguir o mesmo rigor que é esperado pelo cargo.
Especificamente para a magistratura,
exige-se bacharelado em direito e exercício de atividade jurídica por três
anos, conforme previsto na emenda constitucional 45 de 2004.
A seleção de candidatos se
dá mediante concurso de provas e títulos, conforme previsto na constituição
federal no seu artigo 93, inciso I.
“Lei
complementar, de iniciativa do Supremo Tribunal Federal, disporá sobre o
Estatuto da Magistratura, observada os seguintes princípios:
I -
ingresso na carreira, cujo cargo inicial será o de juiz substituto, mediante
concurso público de provas e títulos, com a participação da Ordem dos Advogados
do Brasil em todas as fases, exigindo-se do bacharel em direito, no mínimo,
três anos de atividade jurídica e obedecendo-se, nas nomeações, à ordem de
classificação; (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 45, de 2004)”.
(BRASIL, 1998)
Também é por oportuno destacar o seguinte
dispositivo:
“Art.
96 - Compete privativamente:
I -
aos tribunais:
c)
“prover, na forma prevista nesta Constituição, os cargos de juiz de carreira da
respectiva jurisdição;”. (BRASIL, 1988)
Devem estar presentes os
requisitos da legalidade, moralidade, publicidade, impessoalidade e eficiência.
O CNJ dispõe de acordo com a
Resolução Nº 75, de 12 de maio de 2009, sobre as etapas e do programa para
concurso:
“Art.
5º O concurso desenvolver-se-á sucessivamente de acordo com as seguintes
etapas:
I -
primeira etapa - uma prova objetiva seletiva, de caráter eliminatório e
classificatório;
II -
segunda etapa - duas provas escritas, de caráter eliminatório e classificatório;
III
- terceira etapa - de caráter eliminatório, com as seguintes fases:
a)
sindicância da vida pregressa e investigação social;
b)
exame de sanidade física e mental;
c)
exame psicotécnico;
IV -
quarta etapa - uma prova oral, de caráter eliminatório e classificatório;
V -
quinta etapa - avaliação de títulos, de caráter classificatório.
§ 1º
A participação do candidato em cada etapa ocorrerá necessariamente após
habilitação na etapa anterior.
§ 2º
Os tribunais poderão realizar, como etapa do certame, curso de formação
inicial, de caráter eliminatório ou não.” (BRASIL, 1998)
Ao que interessa para este
estudo é justamente o fragmento abaixo:
“IV - quarta etapa - uma
prova oral, de caráter eliminatório e classificatório;”
Atribui-se a esta etapa o
caráter subjetivo do concurso, pois não é levado em consideração à formação da
banca examinadora e se possui legitimidade para julgar o candidato.
Um concurso que atribui
cargo na magistratura, dado sua elevada relevância social, não deveria ser
guiado pela subjetividade.
Fator agravado pelo fato de
grande parte dos tribunais serem compostos por homens, que, por vezes, também,
consequentemente compõem as bancas examinadoras para a seleção de novos
magistrados.
Suscitando questionamento
quanto a lisura no processo seletivo, levando em consideração o machismo
cultural e estrutural ainda latente na sociedade e dentro das instituições nos
mais diversos seguimentos.
Poderia esta etapa ser
dispensável ou ao menos não ter o cunho classificatório?
Segundo os dados aqui
levantados e expostos, é justamente nesta etapa que muitos candidatos do gênero
feminino são eliminados, não chegando, portanto à etapa final do concurso.
Ficando perene a questão da
impessoalidade almejada pelo legislador.
A magistratura brasileira é
majoritariamente masculina, já foi maior na década de 1960, quando o número de
magistradas (mulheres) no país não chegava a 3%.
Período no qual o gênero
feminino sequer podia participar de concursos públicos, muitas mulheres eram
impedidas de forma tácita, apenas uma minoria conseguia burlar as barreiras
através da influencia de posições sociais mais elevadas.
É verdade que, durante a
segunda metade do século XX, houve uma razoável mudança neste panorama
eminentemente masculino, mas as conquistas femininas foram tributarias do
crescimento populacional feminino nas universidades, em particular nos cursos
de Direito, e da luta das mulheres por um processo seletivo em que houvesse
maior imparcialidade e impessoalidade.
De acordo com o CNJ, há
déficit de 19,8% de juízes no Brasil, que se justifica através do aumento da
atividade jurisdicional que é proporcional ao aumento da população nacional.
Portanto, existe uma busca
constante pelo preenchimento de vagas que não se completa, devido à restrição
de orçamento do judiciário ou mesmo na aplicação do excessivo rigor
estabelecido nas bancas examinadoras (Gráfico 1).
GRÁFICO
1
Nesta perspectiva, existe o
reconhecimento da constante demanda na magistratura, acompanhada de um
crescente interesse de candidatos dispostos e com capacidade de exercer a
atividade jurisdicional.
Todavia, o grande obstáculo
é, justamente, a falta de comprometimento dos tribunais em ampliar o acesso
especifico para mulheres no poder judiciário.
É imprescindível que exista
uma boa escolha de candidatos, sem distinção de gênero, para que estes venham a
compor um judiciário mais eficiente e robusto, trazendo consigo a vocação
necessária ao exercício.
Mas o que se vê através de
números é uma busca por um ideal de magistrado, ou ao menos uma figura que
perpetue a magistratura tal qual ela é: arcaica.
A diversidade de gênero na
magistratura, pela lógica matemática, deveria corresponder não somente a
proporcionalidade da população nacional.
Expressando a diversidade de
gênero, proporcionando uma mudança sensível na preservação dos direitos das
mulheres.
Para Ferdinand Lassale, em
sua obra “A essência da Constituição”, a diversidade de gênero sinaliza de
forma contundente o papel nuclear de uma Constituição na formação jurídica do
Estado; ou seja, a positivação de seu conteúdo constitucional deve ir de
encontro à realidade apresentada no que diz respeito ao poder e relações
sociais; porém, em geral as Constituições possuem uma essência abstrata que por
vezes não se encaixa nas necessidades apresentadas pela sociedade (1933).
5.
DA ISONOMIA CONSTITUCIONAL.
A democracia possui como
alicerce a liberdade e a igualdade, pressuposto sem o qual não existe
possibilidade de garantia de estabilidade politica e jurídica.
Principio básico que tenta
contornar um problema que existe desde os primórdios da história humana, visto
que há exemplos de como a manutenção do autoritarismo e o totalitarismo podem
ser danosos para um povo.
O qual, assisti de forma
atônita os estragos causados por governos arbitrários, que encarceram seus
cidadãos a mercê da vontade de alguns poucos indivíduos.
O Estado, seja de viés
Liberal ou Social, tem buscado a garantia da liberdade e da igualdade
constitucional.
O que significa dizer, a
proteção das garantias individuais pelo Estado no cerne da construção da
cidadania plena.
No entanto, existem severas
criticas concernente a aplicação concreta do principio da igualdade, uma vez
que se afirma que teria sido absorvida, apenas e tão somente, dentro do viés
jurídico formal.
Exemplarmente, o Brasil
adotou a premissa da liberdade e igualdade no cerne da Constituição Federal de
1988, após o processo de redemocratização, o que se tornou um marco nas
questões sociais, até então distantes do povo.
A Constituição da República
Federativa do Brasil apresenta no seu preâmbulo o principio da igualdade como
algo primordial para o país, considerado basilar para a manutenção de uma sadia
democracia.
“Nós,
representantes do povo brasileiro, reunidos em Assembleia Nacional Constituinte
para instituir um Estado Democrático, destinado a assegurar o exercício dos
direitos sociais e individuais, a liberdade, a segurança, o bem-estar, o
desenvolvimento, a igualdade e a justiça como valores supremos de uma sociedade
fraterna, pluralista e sem preconceitos, fundada na harmonia social e
comprometida, na ordem interna e internacional, com a solução pacífica das
controvérsias, promulgamos, sob a proteção de Deus, a seguinte”. (BRASIL, 1988)
Apesar do preâmbulo
constitucional não possuir concretude jurídica, expressa os contornos
intrínsecos internos da própria Carta Magna.
Em outras palavras, os
princípios expressos projetam a sua força para a interpretação do seu conteúdo.
Ao analisar o texto,
especificamente o artigo 5º, inciso I, podemos notar que determina a isonomia
no exercício dos direitos e deveres independente do gênero.
De fato, houve um
reconhecimento do poder constituinte da necessidade de emancipar a Mulher, que
até então era tratada como um ser desprovido de liberdade para governar sua
vida social e patrimônio.
Importante destacar que as
normas contidas na Constituição possuem eficácia, a aplicabilidade da norma tem
força obrigatória, uma vez que a estrutura deve ser respeitada, sendo espinha
dorsal do ordenamento jurídico brasileiro.
Logo, toda norma
constitucional é apta a produzir efeitos, ressalvadas àquelas que precisam
conter um desdobramento em seu dispositivo para então ser possível a sua
aplicabilidade no mundo real.
Quanto à eficácia da norma
do artigo 5º, inciso I:
“Todos
são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos
brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito
à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos
seguintes:
I -
homens E mulheres são iguais em direitos e obrigações, nos termos desta
Constituição”. (BRASIL, 1988)
Por pressuposto axiomático,
a interpretação da norma da igualdade formal deveria ser estendida a todos sem
distinção, sem qualquer restrição na realização material.
Entendendo-se que o referido
dispositivo tem a sua eficácia plena, imediata e ilimitada; visto que deve
produzir efeitos não dependendo de outras normas infraconstitucionais.
O impositivo legal informa
que não haverá, entre brasileiros e estrangeiros, distinção que coloque um
cidadão munido de privilégios em detrimento de outro, desprovido de direitos.
Todas as pessoas deveriam
ter as mesmas garantias.
Isto de acordo com o artigo
5º § 1 (BRASIL, 1988), que dispõe que “as normas definidoras dos direitos e
garantias fundamentais que têm aplicação imediata”.
Os preceitos constitucionais
devem deixar de ser vistos como simples normas abstratas e passam a ter
eficácia imediata sobre a vida concreta.
Primordialmente, as normas
geradas existem para proteger o individuo diante do Estado, os direitos
fundamentais passam a tutelar os interesses do cidadão nas relações que se
estabelecem.
FRANCISCO CAMPOS, assegura
que:
“O
princípio da igualdade, enunciado em termos gerais e absolutos, representa um
ideal, uma aspiração ou um postulado contrário às condições efetivamente
existentes na sociedade: ele parte do reconhecimento da existência de
desigualdades de fato entre os homens para postular a modificação das relações
humanas no sentido de tornar iguais os indivíduos que são efetivamente
desiguais. Há uma relação polêmica entre o princípio absoluto de igualdade e o
fato das desigualdades reinantes entre os homens. O princípio da igualdade
perante a lei, ao contrário, tem um conteúdo restrito... Ao passo que o
princípio absoluto de igualdade tem por fim alterar a estrutura social,
intervindo nela para o efeito de suprimir as desigualdades existentes, o
princípio de igualdade perante a lei visa tão somente assegurar o
reconhecimento pela lei das igualdades ou desigualdades que, efetivamente,
existem entre os homens. O primeiro é uma ideologia, o segundo é um mandamento
jurídico de conteúdo limitado e concreto e de valor positivo; o primeiro
subordina a realidade a um imperativo destinado a transformá-la, o segundo é
uma regra de direito positivo, destinada a limitar ou restringir a ação da lei
aos dados da realidade”. (1947: p.I)
A solução, para amenizar a
desigualdade instituída passa pela Constituição Federal, impõe o principio da
igualdade material, denominada de isonomia substancial.
Os iguais devem ser tratados
como iguais e os desiguais como desiguais, na exata proporção de suas
desigualdades.
O principio absolto da
igualdade, em termos legais, deveria ser suficiente para, sozinho, modificar a
estrutura social, dando chance aos desiguais de desfrutarem de oportunidades
que pudessem colocar a um passo além do sonhado e almejado.
Obviamente, o imperativo
legal deve existir como um direito instituído para estabelecer uma meta, a qual
a sociedade deveria ser capaz de cumprir, embora não seja totalmente alcançado.
O objeto de estudo, em
questão, repousa o seu olhar na estratificação social definida pelo gênero,
ainda que não só por ele.
Muito se buscou e se busca
para provar que homens e mulheres são igualmente competentes, em suas
empreitadas, mas separados por uma ideologia que se materializou e criou raízes
como se verdade fosse.
O ordenamento jurídico
precisa da concretude material para ganhar força e sentido.
A baixa participação das
mulheres no poder judiciário é apenas um foco diante dos vários ainda
existentes, de certo que se restringir a igualdade é o mesmo que retirar a
liberdade, pois uma esta diretamente ligada à outra.
Conforme Silva:
“Onde houver um homem e uma
mulher, qualquer tratamento desigual entre eles, a propósito de situações
pertinentes a ambos os sexos, constituirá uma infringência constitucional.”
(2017: p.219)
A desigualdade estrutural é
penosa, injusta e, acima de tudo, antijurídica; posto que nenhum sentido existe
quando poucos, entre muitos, são escolhidos quanto à utilização das garantias
básicas de um estado democrático de direito.
Importante reconhecer que,
no Brasil, mesmo nos dias atuais, existe um resquício inequívoco de monarquia
escravocrata exercida por aqueles que se acham acima da lei e que reservam para
os seus eleitos e afins o usufruto de seus pequenos feudos.
É como se a coisa pública
pudesse passar de pai para filho, sem se envergonhar do nepotismo disfarçado de
lisura do preenchimento dos requisitos legais.
Todo direito posto no mundo foi
conquistado por intermédio de lutas, que sempre foram obstadas por opositores;
ou seja, o direito e a norma não surgem do nada como adornos que existem para
tornar mais adorável um ambiente; o direito é um fato social, e esta presente
para suprir as lacunas deixadas pelos homens.
As mulheres estão
consideradas no polo dos desiguais, e, visto desta forma, seria necessário dar
a elas a mesma paridade de direitos e uma maior probabilidade de ingresso na
magistratura, o que poderia servir de exemplo e ser replicado para outras
áreas.
Simultaneamente, o poder público
deveria levar a termo o cumprimento da garantia da isonomia.
Mas diante do exposto, como
conceber a desigualdade concreta existente na sociedade e permanente no poder
judiciário?
6.
CONVENÇÃO SOBRE A ELIMINAÇÃO DE TODAS AS FORMAS DE DISCRIMINAÇÃO CONTRA A
MULHER.
Apesar dos diversos
instrumentos jurídicos, a mulher continua alheia à promoção de oportunidades
usufruídas pelo homem.
Neste contexto, nasceu, em
1979, a Convenção sobre a Eliminação de
Todas as Formas de Discriminação contra a Mulher (CEDAW).
Depois de constante debate
de organismos internacionais no seio da ONU, o Brasil se tornou signatário do
tratado, tendo estabelecido reserva quanto o artigo 29 da convenção.
Por que a ressalva? O que
diz o artigo 29? Qual reserva foi estabelecida?
A discriminação contra a
mulher, sobre todo e qualquer aspecto, revela clara violação ao principio da
igualdade, bem como o desrespeito a dignidade da pessoa humana, inserida na Carta dos Direitos da Humanidade.
É primordial, portanto, que
se alcance a isonomia de direitos e oportunidades, pois, desta forma, é
possível um maior desenvolvimento politico e econômico do país.
Importante destacar que não
existe o pleno reconhecimento das melhorias, um exemplo disso é a questão da
maternidade, que deve ser visto como sendo de grande importância social,
garantindo uma divisão das responsabilidades de pais e mães bem como de toda a
sociedade e do próprio Estado.
Para que esta e outras
demandas, inerentes à necessidade especifica das mulheres, possam ser
atendidas; a Carta estabeleceu que os países signatários são obrigados a assumir
o compromisso de seguir o tratado.
Neste sentido, o Brasil tem
muito a caminhar, pois deve elaborar e executar politicas afirmativas de
inclusão e desenvolvimento de oportunidades, como meio de gerar a equidade
necessária.
Segue um esboço do tratado
que interessa ao objeto de estudo desta pesquisa:
“Artigo
1º - Para os fins da presente Convenção, a expressão "discriminação contra
a mulher" significará toda a distinção, exclusão ou restrição baseada no
sexo e que tenha por objeto ou resultado prejudicar ou anular o reconhecimento,
gozo ou exercício pela mulher, independente de seu estado civil, com base na
igualdade do homem e da mulher, dos direitos humanos e liberdades fundamentais
nos campos político, econômico, social, cultural e civil ou em qualquer outro
campo.”
Este artigo é uma pequena
amostra do que se deseja conquistar por meio do tratado nos países signatários,
e segue:
“Artigo”
2º - Os Estados partes condenam a discriminação contra a mulher em todas as
suas formas, concordam em seguir, por todos os meios apropriados e sem
dilações, uma política destinada a eliminar a discriminação contra a mulher, e
com tal objetivo se comprometem a:
c) estabelecer a proteção jurídica dos
direitos da mulher numa base de igualdade com os homem e garantir, por meio dos
tribunais nacionais competentes e de outras instituições públicas, e proteção
efetiva da mulher contra todo ato de discriminação;”
E ainda:
“Artigo
7º - (...) c) participar em organizações e associações não governamentais que
se ocupem da vida e ocupar cargos públicos e exercer todas as funções públicas
em todos os planos governamentais (...)”
Destaca-se:
“Artigo
11º - 1. Os Estados partes adotarão todas as medidas apropriadas para eliminar
a discriminação contra a mulher na esfera do emprego a fim de assegurar, em
condições de igualdade entre homens e mulheres, os mesmos direitos, em
particular:
b) O
direito às mesmas oportunidades de emprego, inclusive a aplicação dos mesmos
critérios de seleção em questões de emprego;”
O Brasil, através do Decreto
Nº 4.377, de 13 de setembro de 2002, promulgou o acordo internacional por meio
da Convenção sobre a Eliminação de Todas
as Formas de Discriminação contra a Mulher.
Ao ser signatário de um
tratado, o Estado comprometeu-se a elaborar e impor politicas públicas de
afirmação e execução quanto à isonomia; no campo social, politico, jurídico e
no mercado de trabalho dentre outros fatores.
Neste caso, o Brasil deve
trabalhar para que não somente o seu ordenamento jurídico incorpore o tratado,
mas também que o próprio Estado mobilize toda sua estrutura como modo de
aplicar de forma objetiva o seu conteúdo.
A emenda 45, realizada em
2004, definiu que os tratados relativos aos direitos humanos, devem ter a mesma
força das emendas constitucionais, tanto que, para a sua ratificação, são
passiveis de execução após sua promulgação.
Após a incorporação do
tratado no ordenamento, verifica-se que a norma conflita com a Constituição; ou
seja, fere os princípios jurídicos basilares do Estado, sendo auto-executável
ou tendo caráter programático, ou seja, se depende de medidas acessórias para
ter a sua eficácia objetiva.
No caso da CEDAW, foi
incorporado no plano pratico, gerando mudanças ainda que sensíveis, mas de
significativa importância nas questões ligadas ao equilíbrio social de gênero.
A mudança do próprio código
civil de 2002 é um exemplo disso, equiparou o direito dos cônjuges.
Assim, apesar dos entraves
culturais ainda existentes no Brasil, a questão da igualdade gênero, após
muitas batalhas no âmbito interno e externo, galgou consideráveis conquistas;
quanto à promulgação de leis constitucionais, civis, trabalhistas e penais; que
garantem a mulher o reconhecimento de direitos e segurança social assim como o respeito
a suas peculiaridades.
No entanto, no que concerne
a inserção da mulher na magistratura, pode-se conjecturar que algumas medidas
geradoras de paridade no processo seletivo poderiam contribuir para tornar
efetivo o artigo 5º da Constituição (1988), que celebra e impõe a igualdade de
gênero diante da sociedade e do próprio Estado.
7.
POSSIVEIS MEDIDAS PARA GERAR A PARIDADE NO PROCESSO SELETIVO PARA A
MAGISTRATURA.
Não é possível que a
sociedade evolua, enquanto a sua expressão ainda estiver calcada no preconceito
de que as mulheres não podem ter igual êxito em suas atividades profissionais,
especialmente no poder judiciário.
Nesta perspectiva, surge a
seguinte indagação: como melhorar o acesso das mulheres na magistratura?
No caminho para o ingresso
na Magistratura, a fase oral em que o candidato se apresenta para uma baca
examinadora constitui requisito fortemente questionável, pois beneficia alguns
em detrimento de outros.
Poderia-se questionar a
referida fase deixasse de existir, ou eventualmente não tivesse peso tão
importante, a eficácia da impessoalidade não seria de alguma forma, em menor ou
maior grau, ampliada?
Sem duvida, o trajeto, aqui
percorrido, conduz a concluir que, ao retirar esta etapa, o requisito para
admissão de magistrados se daria de forma mais eficiente e de fato imparcial e
impessoal.
Um substitutivo coerente
para a fase de arguição, visando contornar a subjetividade, poderia ser o
período em que o candidato passa pela de Escola Nacional de Formação e
Aperfeiçoamento de Magistrado; comportando peso maior e caráter eliminatório.
Poderia ocorrer, também, o
estabelecimento de cotas para as mulheres como meio de tornar maior a
participação do gênero na magistratura.
Garantindo o direito das
mulheres de poder exercer a profissão para a qual estão preparadas.
Visto ser necessário
encontrar mecanismos para garantir a diversidade de gênero, não é possível
aceitar a manutenção de antigos estraves do acesso das mulheres no campo
profissional, os quais revelam nítida violação da dignidade da pessoa humana.
A tarefa do Estado é
garantir politicas publicas que tornem realidade o exercício de um direito
constitucional.
É preciso pensar em uma
magistratura contemporânea, que trabalhe com a solução dos atuais conflitos de
forma autônoma e isenta.
E para que essa empreitada
seja alcançada, é preciso que os tribunais se libertem dos estereótipos e
preconceitos.
8.
CONCLUSÃO.
Conclul-se que, de um modo
geral, o poder judiciário foi considerado, por muito tempo, como um campo de
predomínio masculino e que, por essa razão, não se admitia a participação das
mulheres em sua composição.
Todavia, no decorrer do
tempo, as mulheres conquistaram o direito de atuar na sociedade, mostrado o seu
especial valor, impondo a sua presença nos mais diversos seguimentos
profissionais.
No poder judiciário, especificamente,
ainda que de forma tímida, esta participação simboliza uma superação diante de
todos os obstáculos impostos as mulheres.
Questionou-se neste estudo a
disposição dos tribunais para fomentar uma maior participação feminina na
magistratura.
Não houve respostas, mas sim
a multiplicação de questionamentos e indicação de eventuais passos que podem ser
dados para que se tenha um poder judiciário mais homogéneo.
Além dos impositivos legais,
praticas de inclusão profissional podem traduzir uma realidade mais plural,
alinhada com as atuais demandas sociais.
Em curto prazo, as cotas
para mulheres pode se revelar uma possível importante salda.
Outra hipótese aventada para
corrigir as distorções advindas da disparidade entre gêneros envolve a restruturação
de parte dos processos dos concursos públicos para judiciário.
Também é necessário que, em
longo prazo, seja trabalhado as questões de gênero na educação familiar e escolar,
pois desempenham um papel importante para projetar o significado da igualdade,
uma vez que mulheres e homens não estão limitados a exercer atividades
especificas calcado no gênero.
Assim, a investigação e
discussão, em torno do acesso das mulheres à magistratura no Brasil, justifica-se
a partir da premissa de que apresenta uma assimetria de gênero.
Neste sentido, as mulheres
contribuem de maneira considerável para a ciência e para a economia.
Suscitando perguntar como
podem elas sofrer algum tipo de restrição no ingresso do poder judiciário?
A única resposta que se
coloca é que esta situação de disparidade entre gêneros não pode continuar se
perpetuando, as mulheres não deveriam sofrer obstáculos no exercício da sua
cidadania em pleno século XXI.
Isto quem afirma é a própria
legislação mestra, que impõe tal condição.
Devido a historia posta
através de lutas e conquistas, diante de um quadro mental axiomático de
preconceito de gênero, a quem diga que nenhum direito foi dado de presente,
precisou ser justificado e conquistado.
Admitimos a afirmação que
homens e mulheres têm iguais condições de exercer com êxito a sua vocação, seja
ela qual for, mas esta só é possível de ser realizada por meio de oportunidades,
justamente, o cerne deste artigo.
Nesta perspectiva se originou
a discussão aqui apresentada, calcada na bibliográfica e na legislação vigente,
que se referem à igualdade de tratamento independente de gênero, neste caso, em
especifico, paridade de direitos entre homens e mulheres na magistratura.
9. REFERÊNCIAS.
AGOSTINHO, S. O livre arbítrio. São Paulo: Paulus,
1995.
ARISTÓTELES. Política. São Paulo: Nova Cultural,
2000.
BOIGEOL, Anne. “Les femmes et les cours: La difficile mise
en œuvre de l’égalité des sexes dans l’accès à la magistrature” In:
Genèses, 22(1), 1996, p.107-129.
BONELLI, Maria da Glória. “Profissionalismo e diferença de gênero na
magistratura paulista” In: Civitas, v. 10, 2010, p. 270-292.
BONELLI, Maria da Glória. “Profissionalismo, gênero e significados da
diferença entre juízes e juízas estaduais e federais” In: Contemporânea -
Revista de Sociologia da UFSCar, 1, 2011, p.103-123.
BOURDIEU, Pierre. A dominação masculina. Rio de Janeiro:
Bertrand Brasil, 1999.
BRASIL. Constituição Federal. 1988.
BRASIL. CNJ. Conselho Nacional de Justiça, Censo do
Poder Judiciário. Vetores Iniciais e Dados Estatísticos. Brasília: 2014.
BRUSCHINI, C. Tempos e lugares de gênero. São Paulo:
FCC, 2001.
ENGELMA, W. O principio da igualdade. São Lourenço:
Sinodal, 2008.
FOUCAULT, Michel. Vigiar e punir. Petrópolis. São Paulo:
Vozes, 1991.
MAZZA, A. Manual de Direito Administrativo. São
Paulo: Saraiva, 2012.
MELO, Mônica de; NASTARI,
Marcelo; MASSULA, Letícia. “A
participação da mulher na magistratura brasileira” In: Revista Jurídica
Virtual - Brasília, 6(70), março de 2005.
MONTESQUIEU, C. O espirito das leis. São Paulo: Abril
Cultural, 1979.
MOTOMURA, M. Por que há tão poucas mulheres na cúpula do
judiciário? São Paulo: 1998.
PIETRO, M. S. Direito Administrativo. Rio de Janeiro:
Forense, 2017.
PINHO, Ana Paula David de. Nem tão frágil assim: um estudo sobre
mulheres em cargos de chefia. Dissertação de mestrado apresentada ao
Departamento de Psicologia da Universidade Federal do Rio de Janeiro, Programa
de Pós-Graduação em Estudos Interdisciplinares de Comunidades e Ecologia Social.
Rio de Janeiro: 2005.
PLATÃO. A República. São Paulo: Nova Cultural, 2000.
PORTO, W. C. Coleção de Constituições brasileiras. Brasília:
Senado Federal, 2012.
REZEK, J. F. Direito Internacional Público. São
Paulo: Saraiva, 1989.
ROUSSEAU, J. J. Do contrato social. São Paulo: Abril
Cultural, 1978.
SADEK, Maria Tereza. Magistrados: uma imagem em movimento.
Rio de Janeiro: FGV, 2006.
SILVA, J. A. Curso de Direito Constitucional. São
Paulo: Revista dos Tribunais, 1990.
THOREAU, H. D. A desobediência Civil. São Paulo:
Contexto, s.d.
VOLTAIRE. Tratado sobre a tolerância. Porto
Alegre: Abril Cultural, 2011.
10. SITES.
https://noticias.uol.com.br/politica/ultimas-noticias/2016/03/08/por-que-ha-tao-poucas-mulheres-na-cupula-do-judiciario.htm
http://www.cnj.jus.br/noticias/cnj/84432-percentual-de-mulheres-em-atividade-na-magistratura-brasileira-e-de-37-3
http://www.pge.sp.gov.br/centrodeestudos/bibliotecavirtual/instrumentos/discrimulher.htm
http://www.edilsonvitorelli.com/2016/03/desigualdade-de-genero-em-concursos.html
http://www.conteudojuridico.com.br/artigo,consideracoes-acerca-da-eficacia-e-aplicabilidade-juridica-das-normas-constitucionais,55478.html