FAPEN ON-LINE. Ano 2, Volume 7, Série 14/07, 2021.
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Prof. Esp. Vanclei Alves Nascimento.
Professor de Linguagens no Colégio Pentágono. Professor de Língua Inglesa e Alemã para exames de proficiência.
Graduado em Letras pela Faculdade Senador Fláquer. Pós-Graduado em Docência pela Faculdade Anchieta. |
RESUMO: O
estudo apresentado neste artigo teve como principal objetivo analisar o uso de
operadores argumentativos, marcas do direcionamento discursivo, nas cartas do
leitor, do jornal Diário do Grande ABC, corpus,
utilizado para tal análise. Verifiquei não só as estratégias argumentativas
utilizados pelos interactantes, com também a força argumentativa exibida pela
escolha dos operadores argumentativos expostos. Percebi que a utilização desses
elementos linguísticos: mas, pois,
e, porque, e ainda, não só adicionam em direção (ou a favor) de
uma mesma conclusão como também favorecem estrategicamente uma força
(persuasiva) argumentativa no momento de enunciação.
Palavras-chave: Cartas do leitor, Argumentação, Discurso e Operadores
Argumentativos.
ABSTRACT: The study presented in this
article had as a main objective to analyze the use of argumentative operators,
marks of discursive direction, in the readers' letters, from the newspaper
Diário do Grande ABC, a corpus, used for analysis. I analysed and verified not
only the argumentative strategies used by the interactants, but also the
argumentative force displayed by the choice of the argumentative operators
exposed. I realized that the use of these linguistic elements: but, because,
and, because, and still, not only add towards (or in favor) of the same
conclusion, but also strategically favor an argumentative (persuasive) force at
the time of enunciation.
Keywords: Reader's Letters,
Argumentation, Discourse and Argumentative Operators.
1. INTRODUÇÃO.
Nas
mais diversas situações práticas de interação social, mobilizadas pela
realidade diária, desenvolvem-se instrumentos de ações de linguagem que não só
ampliam a consciência do exercício da cidadania, como também estimulam amplas
capacidades, certas competências e destrezas da linguagem, que oportunizam o
cidadão a reclamar e reivindicar seus direitos, criticar e elogiar ações
sociais, defender-se perante as injustiças, posicionar seus pontos de vista,
defender suas opiniões, conquistar seus espaços, assim contribuindo de forma significativa
à prática da cidadania.
A carta do leitor, elemento de
interação discursiva, corpus sob
análise, metodologicamente selecionado, constituído por dois recortes da seção
de opinião do jornal Diário do Grande ABC (cartas do leitor dos dias 24 e 25 de
setembro de 2018), e os operadores argumentativos, objeto de estudo e análise
exposto, são interesses de estudo e investigação deste artigo, que tem por
finalidade não só identificar e analisar as
marcas linguísticas responsáveis pela argumentatividade,
como também evidenciar dimensão da orientação persuasiva argumentativa neste
gênero textual, além de aprofundar os
conhecimentos sobre a teoria da argumentação. Assim, este estudo apoiou-se nos
pressupostos em diversos teóricos como Bakhtin, Ducrot, Eduardo Guimarães,
Elisa Guimarães, Ingedore Koch, Marchuschi, Maria H.M.Neves, entre outros.
Encontra-se este estudo organizado em três seções.
Constituindo a primeira o“Referencial Teórico“
um levantamento de atuais teorias da argumentação com direcionamento ao
discurso persuasivo. Na sequência, a apresentação da análise; e a terceira, as
considerações finais.
Destarte,
pretender-se-á, neste estudo, evidenciar a utilização das marcas linguísticas,
que denunciam o posicionamento de valores de um sujeito enunciador, como
estratégias discursivas que orientam posturas sob um olhar crítico, diante de
fatos diariamente expostos na sociedade. E além, espero também contribuir às
propostas de ensino da Língua Portuguesa que privilegiam a compreensão e
aprendizagem dos operadores argumentativos no texto.
2. GRAMÁTICA versus LÍNGUÍSTICA TEXTUAL.
A
Linguística textual surge num momento de inquietações da visão de estudos
teóricos e metodológicos sobre a lingua(gem), em que a gramática normativa,
focalizada somente nos estudos de (sintaxe de) frase, considerando-a como uma
unidade máxima, apresentava e admitia como correto, acerca da língua, um
conjunto de regras e análises normatizadas, que não preenchiam determinadas
lacunas, apenas considerava quaisquer variações da língua como meros erros
gramaticais, “desconhecendo os aspectos
semânticos e contextuais em diferentes situações de comunicação.”
(MARCUSCHI, 2016, p.11)
Sob
tais novas perspectivas pragmático-enunciativas, desenvolveram-se, assim, os
estudos de Linguística Textual, que tiveram, na década de 1970, como objeto
particular de considerações investigativas: os “processos de produção, recepção e interpretação dos textos;
reintegrando o sujeito e a situação de comunicação em seu escopo teórico” (MUSSALIM;
BENTES, 2006, p. 16), visões significativamente, na década de 1980, ampliadas,
fortalecidas e construídas diante de uma “situação
de interação, entre o texto e seus usuários, em função da atuação de uma complexa
rede de fatores, de ordem linguística, cognitiva, sociocultural e interacional.”
(KOCH, 2015, p.12)
É
na presença dessas relevâncias e evidências, que os estudos da lingua(gem) com
um olhar muito além de isoladas análises combinatórias transfrásticas e de
estrutura e formação de vocábulos, afasta-se dos estudos estruturalistas e dimensiona-se
numa “disciplina com forte tendência
sócio-cognitivista”, (KOCH, 2001, p. 15-16) que restaura as correntes concepções
de texto, orienta a um novo conceito, e muito além, norteia a instituição de um
novo viés de análise.
Assim,
nos mais diversos interesses e variados campos de estudo tornam-se:
cada
vez maior das investigações na área de cognição, as questões relativas ao
processamento do texto, em termos de produção e compreensão, as formas de
representação do conhecimento na memória, a ativação de tais sistemas de
conhecimento por ocasião de processamento, as estratégias sociocognitivas e
interacionais nele envolvidas. (KOCH, 2015, p.13)
Diante
do efeito dessas perspectivas, mais à frente da textualidade, não só se
concentram, nos estudos de análise e produção textual, a capacidade de produzir
e reconhecer textos, mas também, sobretudo, focalizam-se as atenções no
processo comunicativo, estabelecido pela interação, entre autor, leitor e
texto, dentro de um determinado contexto, orientando por meio de uma universalidade
de significação que busca descrever, compreender, (re)significar os fatores
constituintes responsáveis pela definição de textualidade. Nesse
sentido:
a
Linguística Textual ganha uma nova dimensão: já não se trata de pesquisar a língua
como sistema autônomo, mas sim o seu funcionamento nos processos comunicativos
de uma sociedade concreta. Passam a interessar os “textos-em-funções”. Isto é,
os textos deixam de ser vistos como produtos acabados, que devem ser analisados
sintática ou semanticamente, passando a ser considerados elementos
constitutivos de uma atividade complexa, como instrumento de realização de
intenções comunicativas e sociais do falante (KOCH, 2006, p. 14).
Dessa
forma, não só diversos fatores tais como a coerência, a informatividade, a
situcionalidade, a intencionalidade, a intertextualidade, a aceitabilidade,
entre outros, tornam importantes objetos aos mais variados estudos da análise e
produção textual, como também o próprio texto dentro de cada situação
comunicativa.
2.1 Gênero Textual.
O
exercício das atividades práticas sociais, em seu pleno uso, não só engendra
uma comunicação cada vez mais criativa, dinâmica e eficiente, responsável pela
criação de novos gêneros e até mesmo a transformação de um gênero em outro,
como também é uma resposta às necessidades comunicativas de seus usuários, que
participam nos eventos de interação, pois:
Um
gênero discursivo em que busca convencer o outro de uma determinada ideia,
influenciá-lo, transofrmar seus valores por meio de uma determinada posição
assumida pelo produtor e de refutação de possíveis opiniões divergente. É um
processo que prevê uma operação constante de sustentação das afirmações
realizadas, por meio de dados consistentes, que possam convencer o
interlocutor. (BRÄKLING, 2002, p.226)
A noção da expressão gênero textual, relacionada às diversas
situações cotidianas comunicativas, conforme Marcuschi (2002) é aplicada à
definição de textos “que apresentam
características sócio-comunicativas definidas por conteúdos, propriedades
funcionais, estilo e composição característica.”.
O estudioso entende que
os gêneros são como “formas verbais de
ação social relativamente estáveis realizadas em textos situados em comunidades
de práticas sociais e em domínios discursivos específicos”. Ou seja, são variados
os fatores que determinam um gênero, dentre eles as sua função e o ambiente em
que este se veicula.
Diferentemente da expressão tipologia textual que “designa
uma espécie de construção teórica definida pela natureza linguística de sua
composição” e engloba “meia dúzia de
categorias conhecidas como narração, argumentação, exposição, descrição,
injunção” (MARCUSCHI, 2002, p. 19-36).
Para Bakhtin (1992), a
linguagem é de natureza socioideológica, coexistente de relações dinâmicas e
complexas, que se materializam nos gêneros do discurso, “tipos relativamente estáveis de enunciados”, enunciados que não só se
definem como unidades reais de comunicação discursiva organizadas por uma
cadeia complexa e formada por um intercâmbio linguístico, como também pelas
diversas esferas da utilização da língua. O autor afirma que:
A
riqueza e a variedade dos gêneros do discurso são infinitas, pois a variedade
virtual da atividade humana é inesgotável e cada esfera dessa atividade
comporta um repertório de gêneros do discurso que vai diferenciando-se e
ampliando-se à medida que a própria esfera se desenvolve e fica mais complexa.
(BAKTHIN, 1992, p.279)
Nesse
sentido, o autor não só evidencia que toda utilização da língua está permeada
em todas as atividades humanas, consequentemente, há uma variedade infinita de
gêneros, uma vez que essa atividade se concretiza
“em forma de enunciados (orais e
escritos) concretos e únicos, que emanam dos integrantes duma ou outra esfera
da atividade humana” (BAKHTIN, 2000: 279), como também considera como
elementos básicos de constituição do gênero (discursivo): o conteúdo temático, o estilo e a forma composicional.
Além de ressaltar que as intenções e necessidades sócio-interativas e
comunicativas dos sujeitos são importantes condições de produção dos enunciados
e dos gêneros (discursivos), uma vez que o sujeito dentro de suas esferas de
atividades exerce determinados papéis socialmente. Pois, no uso da linguagem, em
cada esfera, há previamente uma ideia de destinatário que se dirige a um
locutor tomado por uma atitude responsiva diante da universalidade finalizada
do gênero, marcando o discurso com a integração de conhecimentos historicamente
reunidos, intercâmbios socioculturais, e efeitos de processos cognitivos que
remetem a tal atitude responsiva ativa. Bakhtin salienta que o sujeito, diante
de suas relações com a linguagem, ao falar e escrever ou ler e ouvir desperta
previamente um conhecimento do modelo de um gênero.
O
autor define gêneros em primários, aqueles
associados às atividades sociais cotidianas de comunicação espontânea; e os secundários, os mais complexos,
empregados na comunicação cultural, por meio da valorização de formas de
linguagem: artísticas, científicas e sociopolíticas.
Nessas
perspectivas, este estudo, acolhido pelas concepções sociointeracionistas,
atribui à linguagem como uma atividade histórica, social, cognitiva e
dialógica, essencialmente interativa, empreendida por seus interactantes em
diferentes espaços, privilegiado pela sua natureza funcional e interativa, que
utiliza dos mais diversos espaços sociais vinculados às esferas de atividade
sociais, em que se realiza e constrói a interação verbal, cujos aspectos
discursivos e enunciativos são defendidos por grandes estudiosos das linguagem
como Douglas
Biber (1988), John Swales (1990), Jean-Michel Adam (1990), Jean-Paul Bronckart
(1999).
Diante desta concepção,
operada de hipóteses sociointeracionistas:
A genre comprises a class of communicative events, the
members of which share some set of communicative purposes. These purposes are
recognized by the expert members of the parent discourse community and thereby
constitute the rationale for the genre. This rationale shapes the schematic
structure of the discourse and influences and constrains choice of content and
style. (SWALES, 1990, p.58)
Em outras palavras, o
autor compreende gênero como um “evento
comunicativo” compartilhado num universo de “propósitos comunicativos” que
fundamentam e organizam um alicerce lógico para o gênero, constituído de uma
escolha de conteúdo e de estilo, uma probabilidade de expectativas, vistas como
prototípico, traços de similaridade de
sequência, por carregar uma semelhança em termos de estrutura, estilo, conteúdo
e audiência intencionada.
Na proposta teórica de Jean-Michel
Adam (1990), busca-se uma construção reflexiva que abarque diversas orientações
enunciativas e formais sobre gênero (texto), sobretudo, redimensionadas, propondo
que os gêneros primários são similares aos tipos nucleares responsáveis,
entretanto, se modificam para constituir e conceber os gêneros secundários, uma
vez que “o reconhecimento do texto como
um todo passa pela percepção de um plano de texto, com suas partes
constituídas, ou não, por sequências identificáveis” (ADAM, 2011, p.254).
Segundo
Adam (2017, “é possível olhar para os gêneros não apenas como tipos de práticas
discursivas que integram formações sociodiscursivas ou domínios (jornalístico,
religioso, literário, acadêmico etc.), mas também considerá-los a partir de
agenciamentos pré-formatados de proposições e macroproposições, classificáveis
em cinco relações macrossemânticas básicas, adquiridas por impregnação
cultural: narrativo, descritivo, argumentativo, explicativo e dialogal”. (apud CAVALCANTE, 2017, p. 411)
Nos
moldes propostos por Jean-Paul Bronckart (1999), teórico sociointeracionista
discursivo, o gênero “é um mecanismo fundamental
de socialização, de inserção prática nas atividades comunicativas humanas” (BRONCKART,
1999, p.103), e sua constituição são estabelecidas por unidades
sócio-históricas e unidades psicológicas, desempenhadas pelo conteúdo histórico
social do indivíduo e suas condições de produção: a atividade humana em geral,
reunidas em representações de aspectos físicos, sociais e subjetivos.
Nas palavras do autor, a ação da
linguagem é uma unidade psicológica materializada como unidade comunicativa,
definida pelo plano sociológico como “atividade
verbal do grupo, recortada pelo mecanismo geral das avaliações sociais” e
psicológico como “conhecimento disponível
em um organismo ativo” (BRONCKART, 1999, p.99).
Para o autor, a relação de texto e
gênero “é toda unidade de produção
verbal, oral e escrita, contextualizada, que veicula uma mensagem
linguisticamente organizada e tende a produzir um efeito de coerência no seu
destinatário.” (BRONCKART, 1999, p.99). Assim, o gênero carrega em si todas
as manifestações das práticas sociais por indivíduos que (re)constroem as
funções de circunstâncias de seu papel social e também seu desenvolvimento
pessoal. E texto, é propriamente a unidade de produção verbal oral ou escrita
pertencente ao gênero que apresenta traços das decisões individuais de seu
produtor em uma determinada situação comunicativa.
2.2 A Argumentação (na linguagem).
Orientar
uma determinada reflexão em face de certos objetivos de certeza acerca do
pensamento ou manifestar, por meio da linguagem, propósitos que defendam
previamente a alteração de um posicionamento são características de um processo
discursivo: a (arte de) argumentação, “tomada
de posição contra outra posição” (FIORIN, 2018, p.29), um recurso da
linguagem que não é somente definido como uma organização discursiva com
características próprias diferenciadas de outros modos de organização do
discurso, como também integra a negociação de argumentos a favor ou contrários
a um ponto de vista, que têm como intuito de alterar uma opinião e até mesmo um
comportamento diante do conhecimento de mundo, além de convergir a diferentes
ciências do conhecimento.
A
argumentação, revelada como processo e ferramenta de interação social do homem
que precisa se relacionar na vida em sociedade, não só “busca convencer, influenciar, persuadir alguém; defender um ponto de
vista sobre determinado assunto. Consiste no emprego de provas, justificativas
a fim de apoiar ou rechaçar uma opinião” (PEREIRA, 2006, p.37), como também
“tem por vocação explorar as vidas da
razão e do raciocínio, tal como é empregada na vida cotidiana em língua natural”
(AMOUSSY, 2018, p.8), em outras palavras, é “uma ação que tende sempre a modificar um estado de coisas preexistente”
(OLBRECHTS-TYTECA; PERELMAN, 2002, p.61), e está presente na linguagem diária dos falantes que explicam, justificam,
apontam e comentam seus posicionamentos, na linguagem verbal ou escrita, com a
finalidade de não só estabelecer sua opinião, mas também “construir no terreno das emoções e sensibilizar o outro para agir”(ABREU,
2008, p. 25), configurando dessa forma a arte de persuadir e convencer.
Evidencia-se, assim, que o uso da linguagem é
predominantemente argumentativo, pois, os indivíduos, com efeitos de
intencionalidade, orientam sua enunciação a certas conclusões no lugar de
outras por meio de elementos linguísticos, marcas expressivas reveladoras de
intenções, que “são responsáveis pela
orientação argumentativa dos enunciados que introduzem, o que vem a comprova
que a argumentatividade está escrita na própria língua” (KOCH E ELIAS,
2016, p.64).
Tendo
em vista os pressupostos aqui pautados, este estudo, diante da imensa riqueza
de possibilidades de análise da argumentação, tem como objetivo compreender a
força argumentativa dos elementos linguísticos de coesão textual que não só
marcam a organização argumentativa, como também orientam a continuidade da
argumentação.
3. OS OPERADORES ARGUMENTATIVOS.
No campo da semântica argumentativa,
os elementos linguísticos: operadores
ou marcadores argumentativos (articuladores textuais ou marcadores discursivos), na estrutura
gramatical da frase, indicam e orientam a argumentatividade dos enunciados,
direcionando o encadeamento e a interdependência de ideias, que não só revelam
as características de uma comunicação persuasiva, mas também influenciam na
argumentação de um texto (artigos, jornais ou revistas) por marcarem a
intencionalidade na persuasão, que agem na formação de opiniões, e também
(re)definem princípios, além de (re)formar atitudes de posicionamento de visão
de mundo, buscando efetivar o convencimento e também “indicar (“mostrar”) a força argumentativa dos enunciados, a direção
(sentido) para o qual apontam” (KOCH, 2015, p. 30).
Assim, entende-se que qualquer processo de enunciação,
que (re)direciona sentidos e está (co)relacionado a outras enunciações,
apresenta uma função argumentativa, marcada pelos operadores argumentativos, termo cunhado por Ducrot (1980 e 1984),
o fundador da Semântica Argumentativa (ou Semântica da Enunciação), que afirma
que todo valor argumentativo organizado no discurso, diz muito além do que
parece dizer, pois “una palabra hace
posible o imposible una cierta comunicación del discurso y el valor
argumentativo de esa palavra es el conjunto de esas posibilidades o
imposibilidades de comunicación discursiva que su empleo determina.”
(DUCROT, 1988, p.51), em outras palavras, “una
palabra es al mismo tiempo una orientación en el discurso” (DUCROT, 1988,
p.52), ou seja, o autor assevera que as palavras de uma língua possuem força ou
valor argumentativo. (DUCROT, 1988, p.52).
Posto que a proposta deste estudo,
sobretudo, considera o uso da linguagem essencialmente argumentativo, faz-se
necessário, para compreender o exame dos operadores argumentativos, apresentar os
estudos de Ducrot (1984) sobre a “escala
de argumentatividade”, a natureza do caráter de escalar os argumentos,
noções de classe argumentativa e escala argumentativa tornam-se relevantes para a análise
desses mecanismos linguísticos, que orientam a argumentação; o primeiro, trata-se do conjunto de enunciados
que igualmente, sem força crescente,
serve como argumento direcionado a uma mesma conclusão; e o segundo,
refere-se aos enunciados de uma mesma classe não só dispostos em gradação de forma
crescente “no sentido de uma mesma
conclusão” (KOCH, 2015,p.30), mas também em ordem de força a favor de uma
mesma conclusão.
Assim, “a argumentação é
vista como a busca da persuasão de um auditório (alocutário) pelo locutor”
(GUIMARÃES, 2001, p.24), uma vez que o operador argumentativo “introduz uma asserção derivada, que visa
esclarecer, retificar, desenvolver, matizar uma enunciação anterior. Tem uma
função geral de ajustamento,
de precisão do sentido”
(KOCH, 1992, p.30).
4. ANÁLISE DOS OPERADORES ARGUMENTATIVOS.
É importante salientar que foi
necessário delimitar o objeto de análise, uma vez que encontrei a necessidade
de estabelecer limites diante do corpus; portanto, a pesquisa só irá focar nos
operadores que apresentaram maior frequência no corpus, são estes: MAS, POIS,
E, PORQUE e AINDA.
4.1 As ocorrências do MAS.
Ao
analisar os diferentes tipos de relação do operar mas, faz-se necessário, fundamentalmente, considerar seu valor semântico
básico que é o de desigualdade, e:
“se
relaciona com o próprio significado do étimo latino, o marcador de comparação magis. Basicamente o mas expressa a relação entre dois
segmentos de algum modo desiguais entre si: cada um deles não é só o externo ao
outro (co-ordenado), mas, ainda, é, marcadamente, diferente do outro. O emprego
do mas entre esses segmentos
representa o registro dessa desigualdade, indicando que o enunciador se utiliza
dela na organização de seu enunciado, tanto na distribuição das unidades de
informação, como na estrutura da argumentação”. (NEVES, 2013, p.248)
No gênero textual “carta do leitor”, o uso
do operador argumentativo mas, “operador
argumentativo por excelência”, segundo Ducrot, apresenta-se com frequência, como um marcador discursivo, por ser
um elemento linguístico que tem como principal função direcionar pressupostos, “que contrapõem argumentos orientados para
conclusões contrárias.” (KOCH, 2015, p. 35), além de opor “enunciados de perspectivas diferentes”.
(KOCH, 2015, p. 37) Vejamos os exemplos:
(1) (...) Não sei vocês, leitores, mas
eu não assisto mais horário político para saber em quem votar. (...)
(2) (...) Ainda disse que não haveria
pedágio no Rodoanel, mas implantou várias praças.
(...)
(3) (...) Prometeu a descentralização
da farmácia de alto custo, mas não cumpriu. (...)
(4) (...) Circula pela internet texto
que coloca os problemas do Brasil – crise econômica, desemprego, violência,
Saúde, Educação, corrupção. Mas
o que está sendo discutido e/ou apresentado por todos os candidatos ao Executivo
e ao Legislativo é ideologia (...)
(5)
(...) os filhos não devem ser educados só para respeitar minorias, mas
sim o ser humano (...)
(6)
(...) Intelectuais e outros que assinaram o ‘pela democracia e pelo Brasil’
poderiam ser levados a sério senão apontassem apenas o líder nas pesquisas,
Bolsonaro, mas também Haddad, cujo chefe (...)
Todos
os exemplos expostos acima, na “carta do leitor”, tratam sobre as eleições
políticas de 2018 e as inquietações sociais manifestadas pelos indivíduos sobre
o que vem ocorrendo durante este período, levando o leitor a conscientizar-se
sobre a escolha de seus candidatos.
No
exemplo (1), o enunciador, introduz um argumento possível para a conclusão, afirma que não sabe se o enunciatário assiste aos
horários de propaganda política, e introduz o argumento de que não assiste
mais, pois está indignado com as opções dos candidatos apresentados. Neste
enunciado, o operador mas direciona a
compreensão de sua posição contrária referente ao ato de assistir às propagandas
de horário político.
No
exemplo (2), ao introduzir o argumento de que não haveria pedágios no Rodoanel,
proposta do ex-governador, o enunciador utiliza do operador argumentativo mas, para reforçar e concluir uma ideia
oposta à outra, ou seja, espera-se que não haja praças de pedágio no Rodoanel,
entretanto, o argumento apresentado pelo mas,
leva o enunciatário a uma conclusão contrária.
No
exemplo (3), é introduzido um argumento de que há promessas para a descentralização
da farmácia de alto custo. Contudo, com a utilização do mas, leva o enunciatário a uma conclusão contrária: o não
cumprimento da promessa.
No
exemplo (4), o argumento apresentado pelo enunciador previamente é sobre os
diversos assuntos relacionados aos problemas sociais que circulam nas redes
midiáticas, e que deveriam ser problemáticas abordadas como pauta dos
candidatos. No entanto, introduz-se com o uso de mas, um argumento de conclusão fundamentalmente contrário a todas expectativas,
ao fato de que as questões ideológicas de gênero, machismo e racismo entre
outros foram os principais assuntos apresentados pelos candidatos.
No
exemplo (5), o argumento exposto previamente é que os candidatos que desejam
ser eleitos, discutem em suas pautas, questões relacionadas à moral e ideologia
na educação, como racismo, machismo, feminismo, etc. Entretanto, com a
utilização do mas, a enunciatária
leva o interlocutor a uma conclusão oposta, de que é da responsabilidade da
instituição familiar transmitir os valores morais e sociais, que segundo a
enunciatária, este papel não cabe ao candidato eleito.
No
exemplo (6), no argumento previamente exibido trata-se sobre a conduta
unilateral inclinada, por aqueles que assinaram o manifesto pela democracia e
pelo Brasil, a exaltação dos resultados de maior estatística e probabilidades,
a apenas uma dos candidatos líderes ao cargo de presidência. No entanto, a enunciatária,
ao utilizar o mas, leva o
interlocutor a questionar tal conduta e postura feita por aqueles que acordaram
o manifesto pela democracia e pelo Brasil.
Pode-se
observar, nos exemplos do corpus, que a utilização do operador mas, é marcada por orientar uma
direcionamento de conclusões contrárias, essencialmente fundamentadas por um
aspecto de direção discursiva-argumentativa, e, ainda, caracterizadas por zonas
de interferência de desigualdade, como de contraste (exemplo 6), de contrariedade
(exemplo 5), de desconsideração (exemplo 1), de oposição (exemplo 2) e de refutação (exemplo 4),
características evidenciadas pelo registro da marca de desigualdade, “indicando que o enunciador reconhece e se
utiliza (da) organização de seu enunciado, tanto na distribuição das unidades
de informação, como na estrutura da argumentação”.(NEVES, 2013, p.248)
4.2 As ocorrências do POIS.
O operador pois em todos os exemplos abaixo introduz “uma conclusão relativa a argumentos apresentados em enunciados anteriores”, (KOCH, 2015, p.24), ou seja, mostra uma justificativa ou explicação do que está previamente relacionado ao enunciado anterior.
(1) (...) os de transporte surgiram e rapidamente relegaram os táxis ao esquecimento, pois eram transportes caros.(...)
(2) (...) Às vezes duvido que tenham planos de governo, pois não nos apresentam nada.(...)
(3) (...) Fiquem atentos, pois o edital não mostra o dia e em que jornal foi publicado. (...)
No exemplo (1), o argumento
previamente exposto é sobre a criação de um serviço privado que facilitou o
sistema de transporte individual. Ao introduzir o uso do operador pois, a enunciatária, para (re)direcionar
ao interlocutor uma conclusão e justificativa com força argumentativa,
conscientiza o interlocutor sobre o alto custo cobrado dos serviços de
transporte individual, e sugere que uma ação seja feita também na área e
sistema de saúde privada.
No exemplo (2), o
operador pois, cumpre a função de
acrescentar explicação de uma opinião: o fato de os candidatos tratarem em suas
exibições apenas questões pessoais da ética e moral de suas posturas, levando o
interlocutor a pressupor a conclusão de que há por parte dos candidatos uma ausência
explícita de assuntos relevantes aos novos e futuros planos de governo.
No
exemplo (3), ao utilizar o operador pois,
o enunciatário evidencia de forma explicativa que ocorre um fato de grave importância a
saber por parte dos associados que usufruem de uma instituição particular.
Segundo o enunciatário, houve por parte da diretoria dessa instituição uma
reunião sem o conhecimento dos associados. Assim o enunciatário leva o
interlocutor a, também, focalizar o fato exibido.
Pode-se
observar, nos exemplos do corpus, que
a utilização do operador pois, é marcada por um aspecto de
direção discursiva-agumentativa, caracterizada, essencialmente, por introduzir
um direcionamento de justificativa (no exemplo 1) ou explicação (nos exemplos 2
e 3), relacionados aos fatos previamente exibidos no enunciado. Este elemento
linguístico, basicamente, apresenta-se como um operador “responsável pelo encadeamento de um novo segmento discursivo, que
consiste num ato de justificação do enunciado anterior”. (KOCH, 2008,
p.197).
Assim, a utilização do pois, tem como principal objetivo, como
estratégia argumentativa, de fortalecer, intencionalmente, um determinado
argumento com a finalidade de persuadir o enunciatário por meio de uma
justificativa ou uma explicação.
4.3 As ocorrências do E.
Na arquitetura do texto,
o valor da relação semântica do e é,
basicamente, o de adição, pois:
“essa
definição se relaciona com o próprio significado etimológico de e, entendida a relação temporal apenas
no sentido de estruturação do enunciado. A ocorrência de e entre dois segmentos indica que cada um deles é externo ao outro
(co-ordenado) e que o segundo se soma ao primeiro no processo de enunciação.
Fica indeterminada a direção que toma o segundo segmento em relação ao
primeiro, tanto na organização das unidades de informação como na organização
argumentativa.” (NEVES, 2013, p.248)
Essencialmente, no corpus analisado,
o operador e é utilizado com maior
frequência no papel de acrescentar argumentos a outros anteriormente
apresentados em favor de uma mesma conclusão, não só para evidenciar a mesma
força argumentativa, como também para marcar argumentos de maior importância e
até “uma relação de causa-consequência”.
(NEVES, 2011, P. 740).
(1)(...) Os de transportes surgiram e
rapidamente relegaram os táxis ao esquecimento.
(2)(...) A hora está chegando e fica cada vez
mais evidente a falta de preparo de partidos (...)
(3)(...) senadores, que têm como principal função
fiscalizar o Executivo, propor leis e tomar medidas para reerguer
a Nação (...)
(4)(...)
Nunca trouxe o metro no grande ABC e sempre nos enrolou. (...)
No
exemplo (1), a enunciatária ao utilizar o operador e, introduz um argumento direcionando a uma determinada conclusão
de que a criação de um aplicativo de transporte individual privado, por gerar
um custo menor do serviço, obteve grande êxito, levando o interlocutor à
conclusão de que o serviço de transporte individual (taxi), por apresentar um
custo maior, acaba sendo relegado cada vez mais ao esquecimento.
No
exemplo (2), ao utilizar o operador e,
que não só cumpre um valor temporal, como também orienta a uma certa conclusão.
O enunciatário sugere ao interlocutor a pressuposição de que a data da eleição
está bem próxima, e, no entanto, os candidatos continuam com uma falta de
preparo para assumir os cargos administrativos.
No
exemplo (3), o operador e, além de
acentuar elementos de uma mesma força argumentativa para evidenciar o grau de
importância de algo, leva o interlocutor à conclusão de que uma das funções do
cargo de senador é não só fiscalizar o Executivo e propor leis, mas também cabe
a este tomar medidas que reergam a Nação.
No
exemplo (4), o operador e, cumpre o
papel de acrescentar argumento a algo que foi dito antes a favor de uma mesma
conclusão. Segundo o enunciatário, o fato é que o ex-governador não cumpriu com
a promessa de beneficiar a região do Grande ABC com um serviço de transporte
mais rápido (no caso a implementação do metrô), levando a conclusão de que o
interlocutor reaja de forma descrente às atitudes de tal candidato.
Pode-se observar,
nos exemplos do corpus, que a
utilização do operador e, acionado pelo enunciador, é marcada
por um aspecto intencional de direção discursiva-agumentativa, caracterizada,
essencialmente, por um direcionamento conclusivo do argumento, como também:
introduz argumentos por meio da gradação de
uma escala argumentativa (conclusiva) de maior importância (exemplo 3); apresenta
argumentos de uma mesma escala argumentativa (no exemplo 2);
introduz (no exemplo 1) temas “inaugurando
cenas, apontado para a frente, ao mesmo tempo que deixa para trás um bloco que
se encerra”(NEVES, 2013, p.252); e, também, ocorre como característica
típica “de arremate” (NEVES, 2013,
p.253), conclusivo, encerrando um parágrafo.
Assim, a utilização do e, tem como principal objetivo, nas estratégias
argumentativas, de fortalecer, intencionalmente, um determinado argumento,
adicionando um outro argumento, com o
intuito de persuadir o enunciatário por meio de uma ideia conclusiva de
acréscimo.
4.4
As ocorrências do PORQUE.
Essencialmente, o
operador porque cumpre a função de “introduzir uma justificativa ou explicação
relativa ao enunciado anterior.” (KOCH, 2015, p.35), estabelecendo, também,
um efeito estratégico de direcionamento conclusivo ao enunciado (fato ou dizer)
previamente mencionado. Assim, ocorrendo uma nova enunciação que obtém a
primeira como tema.
Há
de se considerar também, as palavras de Elisa Guimarães (2013), este elemento como
recurso de extrema importância e valia nos nexos lógicos do processo de
hierarquização e organização textual/discursiva, por apresentar, também como
mais frequente, relações de causa e efeito, contribuindo na avaliação do grau
de competência discursiva.
(1)(...) Nessas eleições, rogo a Deus para
que olhe por nós, porque estamos à deriva.
No
exemplo (1), a utilização do porque,
marca a importância de uma ação por meio de uma justificativa de súplica. A
enunciatária leva o interlocutor a admitir a necessidade de uma intervenção
divina. Segundo a enunciatária, a postura moral e ética dos candidatos nos debates
políticos, pelos mais variados meios de comunicação, está sugestivamente à
deriva.
Pode-se observar, nos
exemplos do corpus, que a utilização
do operador porque, “é marcada essencialmente por um aspecto de direção
discursiva-agumentativa, “que induz um
ato de justificativa do enunciado anterior” (KOCH, 2008, p.212),
caracterizado por um direcionamento conclusivo de explicação relacionado ao
fato previamente exibido no enunciado.
4.5 As ocorrências do AINDA.
O operador ainda acrescenta à argumentação algo que foi previamente dito a favor de uma mesma conclusão, não só para marcar elementos de uma mesma força argumentativa, como também argumentos de grande importância, além de favorecer um grau de importância aos argumentos, introduzindo “no enunciado conteúdos pressupostos”. (KOCH, 2015, p.38)
(1)(...) No PMDB já vimos deputado correndo com mala cheia de dinheiro e apartamento abarrotado com grana viva, sem contar ainda que o Psol representa os invasores de propriedades alheias.(...)
(2)(...) Ainda disse que não haveria pedágio no Rodoanel, (...)
No exemplo (1), a utilização do
operador ainda marca um acréscimo no
argumento, previamente mencionado, de que os partidos políticos e seus
representantes não estão preparados para assumir postos de comando do país,
acrescentando uma força argumentativa de maior importância a outro argumento de
que tais partidos e seus respectivos representantes cometem erros nítidos de
corrupção e abuso do poder, diante de tais pressupostos, levando o interlocutor,
segundo a enunciatária, à conclusão de que todas as pessoas devem ser cuidadosas
ao escolher representantes para o país.
No exemplo (2), o enunciatário
apresenta, previamente, fatos de que um candidato político, que pleiteia o
cargo de comandante do país, não cumpriu devidamente com seus deveres quando
estava num cargo abaixo da presidência. E ao utilizar o operador ainda, o enunciatário não só evidencia
os fatos expostos por ele num grau maior de importância, como também acrescenta
outro argumento de que o mesmo candidato também descumpriu com a promessa de
que não haveria pedágios no Rodoanel. Assim, o enunciatário leva o interlocutor,
de forma conclusiva, não só a desconstruir a imagem do candidato, mas também de
dar ao político um crédito de descrença.
Pode-se observar, nos
exemplos do corpus, que a utilização
do operador ainda, é essencialmente
como um marcador temporal, evidenciando repetições de acontecimentos
previamente mencionados, pelo
enunciador, mas que resultam na continuidade de um estado, assim focalizando
também o uso do ainda como aspecto de
direção discursiva-agumentativa, caracterizado por acrescentar, de forma
persuasiva (e conclusiva) conteúdos pressupostos, que indicam não alteração de
mudança de estado, centralizando no seu uso uma (maior evidência intensidade
estratégica de) força argumentativa, uma vez que este marcador discursivo “tende a expressar um posicionamento em
relação às expectativas dos interlocutores a respeito de assuntos que estão
sendo falados”. (MARTELOTTA, 1994, p.184)
5. CONSIDERAÇÕES
FINAIS.
A
comunicação por meio de cartas do leitor
é realidade, um elemento de interação discursiva, instrumento de transmissão
sobre a urgência cotidiana em sociedade, na vida de milhões de cidadãos, que
necessitam de uma imposição social revelando seus valores, é o espaço em que a
sociedade (re)produz suas concepções e, também, dimensiona, a fundo, suas
reflexões e observações diante de temas da atualidade.
Inegavelmente, é um gênero textual de
relevância significativa, veiculado para fins de atos comunicativos reservados
à manifestação de posicionamentos de leitoras e leitores (enunciadores) que
evidenciam opiniões, sugestões, críticas, perguntas, elogios e reclamações, et
cetera, além de desvelar a mise en scène
de um contexto sócio-histórico e
ideológico, além de apresentar marcas linguísticas que atribuem ao enunciado
uma força argumentativa, que não só (in)conscientemente aponta, focaliza e
assinala um determinado sentido, como também conduz o enunciatário a chegar certas
conclusões em vínculo a outras.
Há
de considerar, ainda, as cartas do leitor como um veículo e/ou produto
resultante de uma interação social reservada aos anseios de manifestações de
visão de mundo por leitoras e leitores, que se interessam em comunicar fatos,
confrontar e confirmar opiniões, expondo juízos de valores sociais diante de um
determinado contexto sócio-histórico e ideológico, que não só desvelam
perspectivas de entendimento de atores sociais
participantes de um universo discursivo num processo de produtividade, resultado de
sistematização coletiva e transferência da informação, como também
influenciam a elaboração, a organização
e o desenvolvimento, além de contribuir com a sustentação e para a estruturação
de raciocínio, do modo a refletir sob o julgamento e compreender o
discernimento e o pensar de seus interlocutores.
Destarte, é consensual, nos estudos
de língua(gem), em que numerosos questionamentos se constituem e diversas
concepções geram amplas discussões sob certas funções de linguagem,
considerá-la “como lugar de interação que
possibilita aos membros de uma sociedade a prática dos mais diversos tipos de
atos.”(KOCH, 2015, p.07-08). É, portanto, na linguagem que se buscam, sob
diversas formas intuitivas, operar manobras coesas e coerentes, de progressivos
avanços e harmoniosa capacidade de entendimento, da própria expressividade do
enunciado.
Longe de ser suficiente, considerar
os elementos coesivos, precocemente categorizados pela gramática normativa,
como meros elementos relacionais, conectivos periféricos, ou de ligação; faz-se
necessário, portanto, compreendê-los no terreno da linguagem e em seus diversos
contextos de interação, não só enquanto instâncias capazes de engendrar
sentidos, mas também como marcas linguísticas articuladoras e responsáveis para
a configuração de uma estratégia discursiva relevante, cumprindo funções
argumentativas por indicar, estabelecer, determinar e direcionar, nas nuances
dos enunciados, um valor de posicionamento, que fortemente implica, e a fora,
assevera, uma construção de esquemas argumentativos.
Sob o efeito dessa evidência, há um
aspecto de notoriedade, entre os estudiosos da língua, de que por meio do
funcionamento e interação da linguagem em seus múltiplos contextos, “o homem se apropria da língua” (KOCH,
2008, p.19) e serve-se da própria, não só empregando, mas também operando os
mecanismos e unidades linguísticas, para (re)significar sua concepção de mundo
e do pensamento, além de formar enunciados que atentem à necessidade de
interação no meio da comunicação em sociedade. Posto isto, é na cadeia
comunicativa que se arquiteta toda a articulação entre a língua, os valores e a
ideologia, e, também, se materializa o objeto discursivo comunicativo.
Diante de uma interpretação
complementar, é no entrelaçamento das instâncias da enunciação que se constroem,
num contínuo intercâmbio, as relações de sentido. Por meio da linguagem, o
homem exprime, exterioriza e manifesta interação. A excelência de qualquer
interação discursiva, que toma por objetivo, meio e fim a serem alcançados,
vincula-se na seleção apropriada e no papel dos operadores argumentativos,
expressados conveniente e satisfatoriamente, em uma riqueza e variedade
infinita de uma esfera e planejamento discursivos para portar-se sob outrem de
modo persuasivo. Assim, o homem inviabiliza o sucesso das marcas linguísticas a
seu favor.
Em meio a tais reflexões propostas,
é na materialidade dos operadores argumentativos que não só veiculam as
construções de sentido do discurso em uma organização enunciativa para atingir
plenamente os fins do ato comunicativo, que (in)voluntariamente estabelecem
posicionamentos de valor de mundo e manifestam ideologias, mas também
direcionam e norteiam a uma determinada indicação, sobretudo, por aspectos discursivos,
que conduzem, encaminham, guiam, e dirigem o enunciatário a constituição de um
efeito de intencionalidade, força, função e orientação argumentativa, modelando
um discurso persuasivo construído de elaborações e representação de seus
valores para prováveis consequências de adesão.
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